quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

De doces e amargos ou a aparente idiotia de acreditar.

Não faça projetos (a não ser que você seja engenheiro ou arquiteto e dependa deles para viver). Não faça planos (nem sequer planos de saúde). Não acredite em juras ou promessas (você sabe que não cumpre nem as suas, porque esperar que outros cumpram as que lhe fizeram. Viva um dia de cada vez. Viva o hoje, o aqui e agora. Não acredite em fábulas.
Nem formigas e nem abelhas fazem planos de absolutamente nada, por mais que nos dêem essa impressão. Por mais que nos iludamos, não constroem abrigos, ninhos, colméias e não fazem estoques de alimentos pensando no amanhã ou no inverno que poderá vir. Fazem isso porque fazem, por costume, por genética, há milhares ou milhões de anos. Não são melhores ou piores que as cigarras, que segundo as más línguas, apenas cantam.
Se houver luz as abelhas saem para buscar água, pólen, néctar ou resinas. Se não houver, não saem. Se houver fumaça, sabem que há fogo e se preparam para abandonar a colméia. Enchem o papo com mel e, por isso, tem dificuldade para ferroar quem quer que seja. Disso se aproveitam os apicultores, há centenas de anos. Jogam um pouco de fumaça dentro das colméias e se aproveitam para saquear o mel armazenado. Elas continuam sendo enganadas e não fazem seguros contra roubos.
Quando voltam para as colméias, depois das coletas, estão mais pesadas e voam mais lentamente. Disso se aproveitam as andorinhas, os bem-te-vis e outros pássaros, para comê-las. Não fazem seguro de vida, não há velório e ninguém sente a falta que possam fazer.
Nada se sabe sobre a vida eterna e o paraíso das esforçadas e dedicadas abelhas e sobre o inferno ou purgatório das maldosas andorinhas. Nada se sabe a respeito de quem fará o mel que as abelhas degustarão quando descansarem eternamente e nem o que sentirão os bem-te-vis ardendo no fogo do resto dos tempos.
Eu, mesmo me achando um idiota (hoje talvez um pouco mais), continuo imaginando coisas para depois, julgando que amanhã possa ser melhor, acreditando nas juras e promessas (hoje talvez um pouco menos), no romance, na poesia, no afeto, no companheirismo, no amor e na felicidade. Apesar dos acidentes e do doloroso amargor das perdas e desilusões, não se pode viver esperando o pior. Não há como se preparar para os enganos e as mentiras que virão sob pena de não avançarmos, como se andássemos sempre com um pé atrás, nos arrastando.
Mesmo cansados ou com noites mal dormidas, pela manhã levantamos acreditando ou desejando que o melhor aconteça. Algumas vezes acontece mesmo. Há cinqüenta por cento de chance de dar cara ou coroa (nunca se pensa na hipótese da moeda cair em pé).
Há méis doces e os há um tanto amargos (de flores de carqueja e bracatinga, por exemplo), mas não são estes os que esperamos quando levamos a colherada do pote à boca. Por precaução podemos experimentar o que nos couber, ir devagar e não apostar todas as fichas num único lance. Ou podemos nos jogar de cabeça. Saltar do trampolim mais alto. Escancarar o peito. Gargalhar em lugar do tímido sorrir.
Podem nos tomar por imbecis. Pode ser mais perigoso, pode doer mais, o sabor pode não ser exatamente o que esperávamos, mas, enquanto for bom e durar, é muito mais intenso. A sensação e o prazer nos tiram o fôlego, nos deixam lembranças e saudades, dão sentido ao viver. E você pode rir ou, mais freqüentemente, chorar com as recordações, mas muito pior é passar em branco. Aquela sensação, aquela angustia do nada, do vazio, do oco, contra os indeléveis momentos do pleno, do auge, do gozo, da máxima, ainda que breve, satisfação.
Não se incomode. Vão apontar-lhe nas ruas dizendo que você é um sonhador idiota. Que é um sentimental apaixonado e que se deixa enganar por idéias e pessoas. Alguns vão rir das suas lágrimas e das suas dores causadas pelo desbotar ou desaparecimento de ideais ou amores. Paciência! Assim como deve ser genético nas abelhas o ato de provisionar, é intrínseco aos sonhadores o amor desmedido e o acreditar permanente.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Outro Dia de Finados.


Passou mais um Dia de Finados.
Foi, para aqueles que tinham olhos e disposição para ver, uma bela manhã, uma tarde entristecendo e um anoitecer com chuva. Não honraria as tradições se não houvesse chuva.
A noite me encontrou, como em outras tantas vezes, sentado no meu lugar afundado do sofá procurando coisas inexistentes na tela do televisor. Nada que pudesse chamar a atenção de quem não encontra o que procura. Só imagens desfocadas mudando ao comando da ponta do dedo e sons distantes e incompreensíveis atingindo os ouvidos. Só havia ausências, solidão, carências, saudades e silêncios ensurdecedores.
Não tanto por fome, resolvi, mais por necessidade do que fazer, preparar um caldo verde.
Escutei a voz do meu pai e o seu “Saco vazio não para em pé”. Vi minha mãe lavando e cozinhando as batatas com casca. E me vi pedindo à Márcia para cortar o maço de couves tão fininho como só ela sabia fazer. Acendi uma vela para que a chama me trouxesse de volta um pouco da luz que ela emanava. Ficamos todos ali na cozinha ao som da panela de pressão cozinhando as batatas.
Tirei o “pelego” das batatas, como dizia meu velho, juntei os temperos e as fatias da calabresa (aferventadas em água para minimizar a gordura, como fazia minha mãe) e, depois que desliguei o fogo, juntei a couve e tampei a panela.
Quando voltei à sala, já estava com a cumbuca cheia do caldo, com parmesão e azeite extra virgem. Para não estar sozinho levei também o pires com a vela acesa e as lembranças de todos eles.
Ao final, depois de repetir uma vez, ainda escutei meu pai dizendo que estava muito bom, mas que havia faltado o vinho tinto seco do qual teria colocado uma ou duas colheres na sopa e teria tomado um copo como fazia seu avô lá na sua Paradinha, em Viseu. Minha mãe, para me defender pelo deslize, diria que estava ótimo e que não faltara nada.
Eu, se soubesse que viriam, teria comprado o vinho. Tanto para satisfazer meu pai, quanto para ter visto a Márcia, depois de uns poucos goles, ficar ruborizada e não parar de rir, por qualquer motivo, até que lhe viessem lágrimas aos olhos. Ainda me lembrei dos moleques, agora nas suas próprias casas, provocando-a para que risse ainda mais e nos abastecesse com a sua felicidade. Ela nos mandando parar e, falsamente contrariada, perguntando: "Porque vocês fazem isso comigo?". Saudosa alegria de risos soltos e verdadeiros espalhando-se pela casa melancólica de hoje.
Quando a vela se apagou já não havia mais ninguém. A cumbuca e a casa estavam vazias. Tinha voltado o frio. Como que acatando a ordem dela, o arremedo de sorriso do meu rosto desapareceu.
Por todos os motivos, apenas as lágrimas ficaram. Desta vez nos meus olhos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Amores de plástico.

Há pessoas que preferem flores de plástico. São coloridas, parecidas com as verdadeiras e não dão nenhum trabalho. Quando ficam velhas ou com as cores abatidas, são simplesmente jogadas fora. As lojas de R$ 1,99 fornecem outras.
Outras não dispensam de modo algum as verdadeiras mesmo sabedoras de que terão beleza efêmera e necessitem de esporádicas trocas de água nos vasos. Algumas outras pessoas, entretanto, não se contentam nem com umas e nem com outras. Preferem as flores vivas, aquelas que são criadas em vasos ou jardins. Sabem que estas precisam de carinho, atenção, água, de vez em quando adubo e/ou troca de terra e até mesmo combate às pragas.
Alegam estas últimas pessoas, que as vivas são incomparáveis. Seguem a rotina de todos os seres vivos, aparecem como botões, desabrocham e fenecem. Suas formas e cores são inigualáveis e mutantes à medida que se desenvolvem. Além disso, boa parte delas é perfumada. Do escandaloso perfume das gardênias à humilde fragrância das rosas.
Cada uma destas flores não se mostra o tempo todo. Há o tempo em que se recolhem nas suas hastes, folhas e raízes, acumulando forças para florescer novamente. Nem por isso se pode descuidar das plantas. É necessário dar-lhes a devida manutenção. É imprescindível a atenção e o carinho. As regas, a troca de vasos e a retirada de folhas e ramos mortos. Tarefa diuturna. Bem cuidadas, a recompensa não tarda. E como é fantástica a recompensa!
Acontece coisa semelhante com amizades e amores. Com relacionamentos. Todos precisam de constante manutenção. Há de haver compartilhamento. Duplos cuidados. Não há relacionamentos de mão única. Se uma das partes se interessa, se preocupa, cuida e acarinha, mas não há a necessária contrapartida a relação definha, seca, fenece. É necessário conhecer-se a planta. Saber se precisa de mais ou menos água, mais ou menos sol, se suporta podas ou não. Que quantidade e que tipo de nutrientes são imprescindíveis para que prospere plenamente.
Há, ainda assim, quem acredite em relações de R$ 1,99. Há quem acredite que relacionamentos sobrevivam sem dupla doação. Há quem se dedique às relações eletrônicas, às mensagens prontas copiadas e enviadas ao mesmo tempo para os duzentos ou quinhentos amigos (??), em lugar de um oi, olá ou como vai, ditos ou escritos individual e pessoalmente. Há quem prefira ter e cultivar quatro amigos (como o Chicão de Itanhaém que os identificou entre os conhecidos quando ficou doente e necessitado) e quem queira ter um milhão de amigos, como se fosse possível tê-los nessa quantidade (como cantava o Roberto Carlos antes até que a internet se espalhasse globalmente). Talvez seja o caso de redefinir-se o significado das palavras amor, amizade, afeição, dedicação e benevolência.
Nestes tempos de amores virtuais ou eletrônicos, talvez seja o caso de substituir-se tudo isso por curtir (que alguns dicionários ainda registram somente como preparar o couro, endurecer, sofrer, padecer e suportar). João curtiu Maria. Maria curtiu José. João descurtiu José e Maria.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Cancelamento da I Olimpíada de Esportes Aquáticos de Musácea.




Agora que já iam avançadas as inscrições para os Jogos Olímpicos de Musácea, os lagos, piscinas e raias olímpicas que seriam utilizados nas competições foram cobertos por grossa camada de asfalto. Pelas informações recebidas na redação, a municipalidade achou muito elevados os custos para a instalação das balsas que transportariam veículos e passageiros de um lado ao outro das enormes massas de água existentes na estrada (onde ocorreriam as disputas), e após estudos acurados, decidiu assoreá-los completamente. Como se pode observar nas fotos, as raias que estavam quase cheias, foram totalmente cobertas. Aos inúmeros funcionários que estavam sendo contratados pela administração do evento e às diversas confederações sul-americanas que já tinham mandado suas inscrições, encarecidamente pedimos desculpas.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Rodeio, UFC e a nossa hipocrisia - Parte 2. Prá Thais.

Das generosas pessoas que lêem estas mal traçadas linhas, uma, que adoro, postou um comentário, na postagem anterior, que tomo a liberdade de transcrever:
“Contrariando um pouco você vou dizer que odeio rodeios, mas gosto muito de UFC. Para mim, a diferença é clara: Os lutadores estão lá por livre vontade, enquanto os animais, vítimas de abusos incontáveis, se tivessem opção, certamente estariam bem longe, usando suas tão queridas "bolas", picanhas e lombinhos de forma mais agradável a eles... rs
Já disse que te amo?”
É ótimo ser contrariado um pouco, principalmente por quem se ama. Isso dá margem para me estender sobre o assunto.
Achar que os lutadores estão lá por livre vontade não seria forçar um pouco a barra? Não estariam eles lá, também como animais, sangrando e fazendo sangrar porque a grana que lhes é oferecida, pelas empresas que os exploram, é muito melhor que a recebida como pedreiros, lavradores, estivadores, etc., etc.? Não lhe parece ser o mesmo caso dos peões? Que outras chances de fama e riqueza teriam eles, sem estudo e sem outras oportunidades, senão servirem à sanha daqueles que pagam para assistir a essas e outras carnificinas que expõe o lado mais violento e detestável dos seres ditos humanos?
Não serão os galos de briga, os bois e os cavalos dos rodeios muito melhor tratados e cuidados do que se estivessem nos quintais e pastos à espera de virarem coxinhas, picanhas e salsichas? Os animais, tanto esses quanto os do UFC, não parecem mais saudáveis? Não brigam aqueles bichos por território, galinhas, vacas e éguas ou para proteger os filhotes? Não brigam os humanos, e se matam, por mulheres, dinheiro, petróleo, carros, bolsas e celulares? Que mal teria então ganhar uma puta grana com isso lotando estádios, ginásios e cadeiras diante dos televisores?
O mal, prá mim, é ganhar uma puta grana com isso. Fazer disso o deleite de quem possa pagar. É incentivar outros a fazerem o mesmo, nas arenas, nas ruas, nas casas, nas escolas, no dia a dia. É provar, incentivar e incutir, principalmente aos mais novos, que com violência também se pode ficar muito rico e famoso. Não lhe parece hipócrita mostrar UFC nos televisores e, logo em seguida, dizer que as agressões nos lares e nas escolas são erradas?
Não seria o caso de construirmos, nas casas, nas escolas e nas praças os tais octógonos? Cada criança só poderia espancar seu coleguinha e fazê-lo sangrar dentro de tais espaços. As outras crianças pagariam para ver. Não valeriam chutes nos pintinhos e nas pererequinhas. Os vencedores passariam de ano e os perdedores teriam que estudar. O presidente dos Estados Unidos levaria para a arena, que se construiria na ONU, o seu colega do Iraque. Se vencesse poderia explorar o petróleo do outro país e, principalmente, as mulheres e crianças iraquianas não seriam assassinadas pelos soldados americanos. Os ladrões esperariam pelas suas vítimas junto aos ringues. Se ganhassem poderiam levar seus anéis, bolsas e celulares. Além dos chutes no saco não se permitiriam armas. Se a vítima vencesse voltaria para sua casa apenas sangrando e com algumas fraturas, mas com seus pertences. O ladrão esperaria outra vítima mais fraca, mas ainda assim dentro dos limites de sua categoria. Quem não quisesse ser assaltado, simplesmente evitaria as praças com octógonos.
Não lhe parece hipócrita dizer às crianças na mesa de jantar que apertar o pinto dos bois e cavalos, para que pulem, é condenável, mas que precisam comer carne para que fiquem grandes, fortes e saudáveis? Não deveríamos também dizer-lhes que o franguinho teve o pescoço quebrado para que morresse. Que o porquinho levou uma facada no coração e o boizinho morreu com uma marretada na cabeça? Que foram castrados para que ficassem mais calmos e gordos?
Não há certa similitude no “fabuloso” capitalismo selvagem em que vivemos? Alguns imperadores determinam que a maioria seja castrada nos estudos, nas condições de trabalho e vida e nas remunerações, para que fiquem mais calmos e mais abunde a mão de obra barata? Não nos jogam a todos nas arenas e nos octógonos para que disputemos com lágrimas, tapas, pontapés, sangue e fraturas as migalhas que nos jogam. É um pouco pior porque valem o dedo nos olhos e os chutes no saco.
É muito pior porque a cavalgada dura bem mais que os oito segundos e não pulamos e nem tentamos derrubar os cavaleiros.
Voltando à sua mensagem, você vive me contrariando. Eu queria ver você muito mais vezes, você não vem. Eu queria abraçar você todos os dias, você não quer. Eu precisaria do seu sorriso e do seu carinho sempre e você não permite. Dessas contrariedades, definitivamente eu não gosto, se bem que agora fica mais claro: Que coração pode ter uma sobrinha que gosta de UFC?
E, sim, você já disse. Mas foram tão poucas as vezes que eu acabo esquecendo se não sou permanentemente lembrado (deve ser coisa da idade). A recíproca é absurdamente verdadeira.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Rodeio, UFC e a nossa hipocrisia.

Há algum tempo falei aqui de uma madame que, na televisão, reclamava do excesso de atenção dado às crianças abandonadas em detrimento dos cães que vivem pelas ruas. Agora a gritaria e a indignação originadas pela morte do bezerro no rodeio de Barretos tomam conta de todas as mídias.
Nada contra os protestos de qualquer tipo ou espécie. Inda mais eu! Protestar também faz parte, assim como a hipocrisia, dos mais primitivos sentimentos e atos humanos, desde o seu nascimento. Que o diga o Victor, meu sobrinho, quando minha irmã não lhe enfia boca à dentro os bicos dos seios, a cada duas horas, para que mame. No caso dele, todos os protestos são imediatamente atendidos, onde e quando quer que ocorram.
Absolutamente nada contra, também, quanto a tratar melhor os animais. Todos os animais, incluindo os da minha espécie, deveriam ser tratados com mais dignidade. Diria mais, deveríamos tratar muito melhor todos os seres vivos que coabitam conosco este mundinho, incluindo plantas, a terra, a água e o ar, sem os quais não conseguiríamos viver.
Definitiva e absolutamente tudo contra os rodeios. Grande imbecilidade que nada tem com nossa cultura. Absurda idiotice que importamos dos estadunidenses. Ao que me consta, aqueles touros e cavalos que pulam desesperados sob os olhares maravilhados dos espectadores, o fazem porque tem parte do corpo (onde ficam órgãos internos e o pênis) amarrado com uma cordinha, o sedém, que é puxada quando se inicia a contagem dos oito segundos durante os quais, outro animal tenta ficar sobre ele. O mais correto e igualitário seria, no mínimo, amarrar também o pênis do montador de tal forma que a cada pulo do touro ou cavalo mais se apertasse a laçada sobre o membro do peão.
Que dizer então das brigas televisionadas e assistidas por milhões de espectadores ao redor do globo, como o tal UFC (Ultimate Fighting Championship – de propriedade do americano Dana White), que o Brasil teve o “privilégio” de sediar dia destes. Os organizadores afirmam categoricamente que se trata do “esporte” que mais cresce no mundo e que já desbancou ou vai desbancar o futebol no quesito quantidade de apreciadores. Pelo pouco que sei, as regras permitem fraturas de quaisquer espécies e jorros de sangue. O que não se permite é chutar o saco (o pinto e os testículos humanos são mais bem protegidos que os dos bovinos) e enfiar o dedo nos olhos superiores (parece-me que o inferior é liberado).
Apesar de estarmos no século vinte e um, continuamos urrando e babando como fazíamos nas arenas e coliseus romanos. Mais dia menos dia voltaremos a virar o polegar para baixo pedindo a cabeça de um dos gladiadores. Os imperadores, agora de terno e gravata, nacionais ou importados, continuam dando circo em vez de pão e à custa de suas platéias abarrotam seus já recheados cofres, tão mais rapidamente quanto mais sangrem ou morram seus bezerros, seus peões ou seus lutadores.
Neste mesmo instante, em todos os cantos, milhões de pessoas, a maioria crianças, morrem de fome enquanto se desperdiçam toneladas e toneladas de alimentos e uns poucos especulam com o preço dos gêneros alimentícios. Países mais pobres são invadidos, e suas populações assassinadas, para que suas riquezas sejam saqueadas. Políticos e outros espertos surrupiam os cofres públicos.
Nesse ínterim, nós os hipócritas, deliciamo-nos com um churrasco de vitela, um lombinho de porco, uma paleta de carneiro e um coraçãozinho de galinha. É provável que lá no fundo, bem lá no fundo, acreditemos que esses animais todos se imolaram propositadamente e de bom grado para nos satisfazer. Enquanto tomamos uma cervejinha gelada e apanhamos uma lasca de picanha temperada no sal grosso, exigimos a cabeça do peão.
Não sou um desses lutadores, ou porque tenho miolos ou porque não tenho músculos, mas também gostaria imensamente que preservassem o meu saco.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Aparente incompetência.

Quem viaja pela rodovia Padre Manoel da Nóbrega, da BR 116 à Baixada Santista, com certeza já caiu em dezenas ou centenas dos milhares de buracos existentes no trecho Miracatu / Peruíbe. Motoristas desavisados ou desinformados já elegeram as mães dos responsáveis como alvo das mais inomináveis ofensas.
Não se trata, como julga a maioria, de exemplar falta de capacidade administrativa ou de deslavado desleixo de Geraldinho, o Governador do Estado. Também não se pode afirmar que se trata de governo inoperante ou que os órgãos estaduais, que deveriam cuidar da manutenção e da segurança dessa estrada, estejam defecando e caminhando para os usuários que inadvertida ou obrigatoriamente se utilizem da mesma.
Eu que, depois da morte da Velhinha de Taubaté (Luis Fernando Verissimo), sou o único habitante do país que ainda acredita que os governantes governam, os legisladores legislam e os magistrados julgam, tudo dentro do absoluto respeito à lei e às necessidades maiores do povo, imagino que algo de bom esteja por trás dessa aparente canalhice.
Uma das coisas que me ocorre é a existência de um amplo e profícuo acordo entre o Governo do Estado e as fábricas e empresas ligadas aos veículos. O governo e as empreiteiras providenciam as construções e reformas de estradas com materiais vagabundos e superfaturados. Depois não fazem nenhum tipo de manutenção de tal forma que qualquer garoa, cuspida ou mijada de cachorro provoque buracos. Em seguida, as carretas com excesso de carga não fiscalizada transformam cada buraco em cratera. Finalmente entramos nós todos, os usuários, como cobaias, testando as suspensões e os pneus dos veículos. Após cada quebra ou dano nos dirigimos às oficinas, borracharias ou concessionárias e pagamos os consertos.
Ganhamos todos nós. Os administradores que gastam pouco e ainda levam um por fora. As fábricas e suas concessionárias que ganham muito e ainda testam seus produtos, não em testes, mas no uso real, no dia a dia. As oficinas, com mais serviço, geram empregos. Os acidentados utilizam guinchos, mecânicos, funileiros e borracheiros. São encaminhados aos hospitais que precisam de mais médicos, enfermeiras e atendentes. Cada um de nós, as cobaias, ganhamos em experiência, paciência e tolerância além de um, não comprovado cientificamente, aumento do volume da bolsa escrotal.
Os quase novecentos reais que gastei com conserto de suspensão, troca de amortecedores, alinhamento e balanceamento de rodas do meu pobre Mille não são nada diante de todos esses benefícios e vantagens.
Perdoem-me senhoras mães.

Asfalto em Musácea.





Atendendo ao clamor dos moradores e visitantes do progressista bairro de Musácea, a Administração Municipal iniciou os trabalhos de pavimentação das estradas municipais.
A primeira via que está recebendo o asfalto é a que liga a estrada Musácea/Pedro de Toledo à rodovia Padre Manoel da Nóbrega, com quase dois quilômetros de extensão.
A continuarem os serviços no mesmo ritmo, dentro de mais alguns anos, essa via estará totalmente transitável.
Maravilhada e agradecida a população cogita em chamar, essa alça de acesso à rodovia estadual, de “Estrada Municipal Prefeita Dea Fátima Viana Leite Moreira da Silva” em homenagem aos maravilhosos serviços que têm prestado à comunidade. Nossas mais sinceras congratulações à operosa Prefeita e à diligente Vereadora do bairro.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!

Sérgio Porto, mais conhecido como Stanislaw Ponte Preta, lançou há muito tempo a frase “Ou se restaura a moralidade ou nos locupletamos todos”. A frase pode não ser exatamente essa e há quem atribua a autoria a Millôr Fernandes, ao Barão de Itararé ou até mesmo a Rui Barbosa. Seja lá como for tem a ver muito com os tempos de pura sacanagem em que vivemos. Tem a ver com as maracutaias que vemos todos os dias nos mais variados meios de comunicação. Nada escapa ao vírus da filha-da-putice que contagia quaisquer esferas sejam públicas ou privadas. Vai de igrejas a governos, de parlamentos a associações civis e não infesta apenas esta ou aquela nacionalidade. É de caráter amplo, geral e irrestrito.
Obviamente Sérgio referia-se à moralidade pública e aos meios pouco ou nada honestos de enriquecer (se é que há meios honestos de enriquecer-se ou locupletar-se). Infelizmente o mandamento cunhado por ele dá a impressão de que há uma alternativa para a felicidade universal. Ou todos nós nos portamos como manda o figurino (que a cada dia está se tornando mais flexível) ou todos nós dançamos de acordo com a música (a sinfônica mutreta que nos assola).
Que me perdoe o Lalau (como também era conhecido Sérgio Porto), mas trata-se de crudelíssimo engano. Por mais que isso doa muito mais que a minha hemorróida, não há escapatória. Nenhuma das duas alternativas é possível!
Restaurar-se a moralidade, como cogita o autor, pressupõe que a tal tenha existido um dia, em qualquer canto do planeta. As cruzadas, as guerras, a escravidão, o nazismo, o fascismo, as invasões americanas, as grandes corporações e milhares de eteceteras provam exatamente o contrário. Não há como restaurar-se uma obra de arte que nunca existiu. Não é possível reformar o imóvel que não se ergueu.
Locupletarmo-nos todos é absolutamente impossível. É o que prometiam todas as fraudulentas “correntes da felicidade”. Como pode alguém ficar rico se não for à custa dos outros? Como pode um país transformar-se numa potência senão pela exploração da população e das riquezas naturais de outros países? Pode o bispo, o missionário, o padre ou o pastor comprar emissoras de rádio e televisão, aviões e helicópteros, mansões aqui e no exterior sem a exploração de suas ovelhas? Posso ter lucros absurdos sem a exploração da mão de obra ou dos consumidores?
Não sei se há luz no final desse túnel. Sempre resta a esperança de haver, até porque onde há a escuridão há (ou haverá) também a claridade. Por via das dúvidas, talvez seja o caso de cada um de nós acendermos já uma vela. Fazermos a nossa parte. E creia, é muito mais difícil do que parece!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Quem são os reais Piratas da Somália?

Um amigo, Feliciano, mandou-me uma mensagem a respeito dos “Piratas da Somália”. Recomendava os cuidados que todos nós devemos ter com relação às coisas que invadem a internet e trazia em anexo um link para um vídeo de vinte e poucos minutos. Como ele mesmo advertia, parecia coisa séria (o que acredito também) e bem fundamentada.
Depois de várias horas, baixando o vídeo, já que aqui a conexão com a net funciona à base de manivela (ainda não consegui criar pombos correio!), pareceu-me correto divulgar o material para que mais gente possa inteirar-se de como funcionam tanto o tal capitalismo selvagem quanto o que neste mesmo espaço já chamei de mídia gorda ou paquidérmica (que é aquela mais comprometida com os patrocinadores do que com a divulgação dos fatos).
Já nos acostumamos a ver em nosso país tanto a corrupção quanto o canalhismo que dominam todas as esferas do poder mas, infelizmente, isso não é prerrogativa dos nossos patrícios. Tanto a podridão quanto a desenfreada exploração dos mais fracos e pobres permeiam as relações internacionais e servem de caldo de cultura para que as novas gerações, incluindo as nossas, sejam instruídas da maneira “mais correta” e vantajosa de como tratar e lidar com nossos semelhantes.
A história, que quase sempre é escrita pelos vencedores, mostra o que já se fez com maias, incas, índios e escravos, mas esses genocídios não nos afetam muito porque é a versão dos ladrões, torturadores e assassinos que chega ao nosso conhecimento (mortos não falam e muito menos escrevem).
O que se espera é que, num descuido das quadrilhas econômicas e financeiras, elas mesmas estejam fornecendo as armas e a munição para a própria derrubada. A internet, os celulares e suas câmeras e o boca a boca eletrônico é que espalham prá todos os cantos do mundo o que apenas alguns conseguem registrar e divulgar.
É absolutamente revoltante ver o que a ONU faz ou deixa de fazer. O absoluto silêncio e a canalha omissão e conivência diante das chacinas e roubos perpetrados, todos os dias, contra povos impotentes, pelas grandes potências. Ontem eram árabes, muçulmanos, timorenses e outros tantos, hoje são os somalis.
O filme “Piratas!” é dirigido pelo cineasta espanhol Juan Falque e pode ser encontrado em:
http://dotsub.com/view/8446e7d0-e5b4-496a-a6d2-38767e3b520a

sexta-feira, 29 de julho de 2011

I Olimpíada Sul Americana de Esportes Aquáticos de Musácea

Como se pode observar nas fotos abaixo estão muito adiantadas as obras do PAM - Parque Aquático de Musácea, onde serão realizadas, em breve, as competições da I Olimpíada Sul Americana de Esportes Aquáticos, patrocinada pela operosa e diligente Prefeitura Municipal de Miracatu. Parabéns à Municipalidade e à Câmara Municipal pela importante iniciativa.



terça-feira, 26 de julho de 2011

- “Mannen som nå belches, promper ikke senere!”

É fabuloso o magnânimo Profeta Oivalf Seap. Apesar da lamentável tragédia que abalou sua querida Noruega não deixou de nos presentear com seu inesgotável conhecimento e com suas maravilhosas pérolas de sabedoria.
Ontem fez questão de preparar o jantar e brindou-nos com maravilhosas panquecas verdes, disponibilizando aos interessados a receita que criou naquele instante, em homenagem, segundo ele, ao verde que encontrou aqui em Musácea:
Pannekaker MUSAC
1 1 / 2 dl melk
1 kopp mel,
2 egg
2 ss olivenolje
1 eller 2 klyper salt,
2 eller 3 klyper oregano
1 fedd hvitløk,
1 håndfull kokt spinat.
Quando dissemos que não compreendíamos tão bem o norueguês, em tom jocoso escreveu a receita em finlandês (idioma que, assim como tantos outros, domina fluentemente):
Pannukakkuja MUSAC
1 1 / 2 cup maitoa
1 kuppi jauhoja,
2 munaa
2 rkl oliiviöljyä
1 tai 2 puristaa suolaa,
2 tai 3 puristaa oreganoa
1 valkosipulin kynsi,
1 kourallinen keitettyä pinaattia.
E mais não disse. Como só tinhamos carne moida, foi com ela que preparou o recheio, acrescentando seus secretos temperos.
Ao final, quando todos estávamos satisfeitos, deixou escapar discretamente um arroto. Diante do nosso espanto, maravilhou-nos com a magnifica pérola, primeiro na língua pátria e em seguida em finlandês:
- “Mannen som nå belches, promper ikke senere!”
- ”Mies, joka nyt belches, ei farts myöhemmin!”
Desta vez, por mais que tenha nos ensinado diversos idiomas, pedimos-lhe que traduzisse. Num português absolutamente sem sotaque disse-nos:
- O homem que agora arrota, não peida mais tarde!
Embevecidos, aqueles de nós que ainda não havíamos peidado, discretamente arrotamos.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Greve de Verbos

Sou, absolutamente, pela liberdade sindical, assim como sou inteiramente favorável à liberdade de paralisação do trabalho por aqueles que se dedicam de sangue, suor e lágrimas ao empregador no antropófago sistema capitalista em que vivemos.
Isso, entretanto, não me impede de comentar, e lamentar, a demorada e inquietante greve de verbos que me assola. Fundamentais e imprescindíveis agentes dos atos e movimentos dos sujeitos, muitos deles, há algum tempo, não tem vindo ao serviço, o que me preocupa assustadoramente.
Alguns, que eu classificaria na vertente classista dos passivos, como assistir, ver, dormir, escutar e calar, por exemplo, tem comparecido regularmente. Outros como rascunhar, escrever ou garatujar, por insistência dos amigos ou por piedade, aparecem esporadicamente. Os mais ativos, porém, nem aparecem e nem mandam representantes com a pauta de reivindicações. Há muitos meses, pintar, gravar, andar, correr, passear, visitar, divertir e gargalhar deixaram de dar as caras.
Penso, sinceramente, em recorrer ao Juízo competente. Que não me tomem por nazista, fascista, direitista, bolsonarista, malufista ou outra escumalha do gênero mas, em última análise, por absoluto desespero de causa, vou recorrer à Polícia e às suas bombas de efeito moral, cães, cassetetes e balas de borracha. Danem-se os feridos!

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Conjunções adversativas

Independentemente da violência que o atinja, sempre há um depois que, via de regra, é menos contundente que a pancada anterior. Socorro-me dos antigos ditados tipo “Depois da tempestade sempre vem a bonança” ou de canções alardeando verdades como “Quem não tem mais nada a perder, só vai poder ganhar”.
As bonanças ou os ganhos não parecem nada claros quando as dores são ainda insuportáveis. Com certeza, entretanto, as folhas que caíram ou a chegada da noite fria e escura são, pela manhã, substituídas por novos e viçosos brotos e pelo calor e luz do sol.
Sempre acabam surgindo novas oportunidades de refazer ou reconstruir partes do que foi despedaçado. É assim na fantástica arte de viver a vida. Quando o chão é o que de mais próximo há no seu campo visual, surge providencialmente uma mão que o ajuda a erguer-se. Se depois de algum tempo o socorrista se afasta, fica registrado o carinho e a dedicação de quem o auxiliou a pôr-se em pé novamente, ainda que sangrem as feridas e escoriações e mesmo que os primeiros passos sejam cambaleantes.
Isto vale para ruínas, tsunamis, desempregos inesperados e amores findos. Quase sempre, não é muito recomendável acostumar-se com as calmarias, com os ventos a favor ou com a plena felicidade. Mas que graça teria a vida se nos pautássemos principalmente pela desconfiança e pelo pé atrás? Que prazer haveria em imaginar que a brisa que afaga o rosto pode transformar-se em furacão? Que a onda mansa que lambe nossos pés vai acabar nos afogando? Que a dedicação ao trabalho vai se converter no pé na bunda? Como não sorver até a última gota os “Eu não vivo sem você”, “Você é a coisa mais importante da minha vida” ou “Quero estar todos os minutos ao seu lado”? Prá que imaginar o silêncio e a solidão que virão depois, desperdiçando os doces sabores desses momentos?
Há que se agradecer esses tempos, por mais fugazes que sejam. Há de se bendizer essas primaveras extra-calendários como se fossem milagres. Como se a ciência houvesse descoberto células tronco que reconstituíssem desejos e sentimentos avariados.
O que causa mais dissabor são as tempestades de conjunções adversativas. Poréns, contudos, todavias e entretantos despencando dos céus como grossas gotas ou granizos. O doce encanto dos poemas lidos, vistos ou sentidos azedando-se pelo excesso ou fermentação do mas. Palavrinha simples, barata e fácil de usar, encontrável em qualquer esquina ou mercadinho, como o sal.
- Você é um ótimo funcionário, porém...
- Adoro sua companhia, entretanto...
- Você não tem noção do bem que me faz, mas...
O uso do sal pode tornar mais saborosos ou intragáveis os alimentos. O exagero deste, contudo, pode ser minimizado adicionando-se algumas batatas descascadas à panela do cozimento. Relações que abusam das conjunções adversativas, não têm remédio. Soam falsas e acabam por si mesmas destinadas ao descarte.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Habemus nepos

Depois de tratativas que duraram cerca de nove meses, por volta do meio dia de hoje, viu-se uma fumacinha branca saindo das torres do Hospital e Maternidade Ana Costa de Santos/SP. Da mesma forma que reunem-se os cardeais para escolher um novo papa, ao final da reunião de médicos, anestesistas e enfermeiras, foi comunicado ao público em geral que acabara de chegar, vindo do útero materno, Luiz Vittor Pedro de Moraes, com 47 centímetros e cabelos claros como os da mãe.
Em Roma, declara-se solenemente "Habemus papam" para que o mundo saiba que há um papa novo. Aqui e agora, solenemente declaro que tenho um sobrinho novo:
- HABEMUS NEPOS!
Parabéns e muitas felicidades ao André, à Célia e ao Luiz.

O que me dá medo.

- O que me dá medo é ficar assim como tu!
Disse-me ele, desse modo, de chofre, sem meias palavras, sem tergiversações e sem nenhuma consideração anterior.
- Assim como?
Perguntei meio assustado e contrariado. Tinha tomado banho mais cedo e, também por causa do frio da noite, me agasalhado mais. Havia preparado uma sopa com o que estava mais à mão e dentro da pequena panela ainda fumegante derramei uma generosa porção de azeite português, como fazia meu pai, e outra de queijo parmesão ralado. Fui para a sala, mais fria que o restante da casa, me sentei no sofá diante do televisor, joguei uma coberta sobre as pernas e estava atacando o creme intercalando o uso da colher com o do controle remoto à procura da programação menos pior.
- Velho e sozinho. Abandonado, sem sonhos e sem mais perspectivas, sem pessoas ao teu redor! Tornando-te apenas e tão somente espectador da tua própria vida. Nela, não deverias pensar em atuar sequer como figurante ou como personagem secundário. Protagonista é o que deverias ser. Deverias cuidar do roteiro e da direção. É o teu filme!
Baixei os olhos assim como que procurando porções menos quentes na beirada da vasilha para não queimar ainda mais a boca e entre os sons e imagens dos filmes repetidos, das pregações religiosas e dos comerciais que ainda pago para assistir, balbuciei:
- E você acha que gosto disto, que isso ocorre por minha livre escolha? Que foi isso o que escolhi pra mim?
- Se não foi o que planejaste, é assim que te encontras, é a isso que te submetes e ao que vais te adaptando! Acostumando-te com as coisas como quer que elas aconteçam, à tua feição, ao teu modo, fazendo tudo à maneira que te pareça mais confortável, sem desafios. Sem questionar os caminhos e paisagens que as circunstâncias e ocorrências escolheram para ti. Estás muito mais para árvore ressequida à espera da chuva do que para animal sedento à procura de água limpa e fresca. Quando o Raul escreveu “Eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar...”, foi antevendo-te? Não moras em apartamento e nem tens a boca tão cheia de dentes, mas, de resto, parece a tua fotografia.
Tentei recordar o rascunho de roteiro que havíamos traçado há pouco mais de dois anos. As aposentadorias. As viagens. A mudança de residência e a maior proximidade com os filhos e netos. A maior convivência com os amigos. As caminhadas diárias nas manhãs e tardes junto ao mar. Vez ou outra um cinema, um teatro ou uma exposição. Escrever, pintar, gravar. Assistir à maestria e delicadeza com que ela realizava suas artes, injustamente chamadas de artesanato, como se demandassem criatividade menor.
Ergui-me da depressão existente no lado direito do sofá, onde com o tempo, meus ossos e minhas poucas nádegas cavaram seu lugar, desliguei tudo e fui dormir.
- O que me dá muito medo é ficar assim como tu!
Disse-me, por fim, o menino que ainda teima em morar dentro de mim e que, com certeza, aproveitará o meu sono para buscar por aí, os sonhos que escondi em algum lugar.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Cabrito bom não berra!

Ia eu pela estrada esburacada.
Caminhão velho cheio de blocos subindo lento à minha frente.
Faixa amarela contínua. Visão perfeita de nenhum outro veículo na contramão.
Seta à esquerda, saí, ultrapassei, seta à direita e voltei à minha mão de direção. Cá dentro o martelo nos miolos dizendo:
- Defecaste!
Mais à frente a viatura escondida e o sinal do rodoviário mandando parar.
- O senhor sabe por que eu o parei?
- Sei! Disse-lhe eu.
- Mas não posso dizer! Pensei cá com meus botões e martelos, entregando-lhe os devidos documentos.
Ele ainda tentou ganhar tempo fazendo sinal para que dez ou doze motociclistas parassem também. Foi para a traseira do veículo oficial redigir o auto de infração. Fiquei junto ao meu.
- O senhor vai assinar o auto?
- Vou!
- Se não quiser não precisa!
- Quero!
- Vai querer uma cópia?
- Lógico!
- Obrigado e boa viagem! Disse-me entregando uma das vias da notificação.
Depois me perguntaram: Porque não o acompanhou até a traseira da viatura para “conversar”? Porque não disse que era policial aposentado? Ele não multaria!
Pensei nas centenas de caminhões com sobre carga e nas “gratificações” que pagam para trafegar destruindo as estradas e provocando tantos acidentes. Pensei nas mutretas políticas, na corrupção, nos superfaturamentos e nas sonegações fiscais.
Pensei nos pontos na CNH e na grana da multa.
Pensei nas cagadas que já cometi, algumas maiores que essa, e nas torturas mentais a que me submeti por conseqüência.
Pensei no meu pai e na minha mãe e no que devo ter ensinado aos meus filhos.
O martelo dizendo “Paga otário!”. “Dane-se imbecil!”. “Eu tentei te avisar que ia dar merda!”.
Meu pai e minha mãe não ultrapassariam se vivos fossem e se dirigissem.
- Cabrito bom não berra! Diria meu pai.
- Berra prá dentro! Diria eu.
O martelo, que deve ter herdado parte do gênio dele, finalizou:
- Vai fazer falta né idiota? Paga cabrito!
O MP3 do carro, que eu tinha desligado quando parei, permaneceu desligado o restante da viagem. Cagada custosa dessas com trilha sonora é demais!
Já me bastava, inundando o cérebro, o escandaloso BBBBBBBBBÉÉÉÉÉÉÉÉÉ!

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Celebração.

Anteontem, oito de junho, completou-se mais um ciclo que se repete há dois anos. Dia do acidente, dia das mães, aniversário da Márcia e aniversário do casamento. “Comemoração”, se esse é o termo para a passagem das datas cravadas na memória, do nada que há para comemorar.
Como das vezes anteriores, faz um frio terrível, chove e floresce a Astrapéia. O tempo e o Universo continuam rolando suas rodas como uma roleta de um grande cassino que mantém suas portas abertas durante as vinte e quatro horas de todos os dias de todos os anos. Partem uns apostadores e chegam outros. Revezam-se os croupiês, mas ambos (universo e tempo) continuam dando as cartas independentemente da nossa vontade, insignificância e transitoriedade. Pior, ou melhor, ainda. Independentemente da nossa imensa prepotência por acharmos que somos muito mais importantes ou duradouros do que as mais reles bactérias.
Julgamos que o fato de pensarmos, escrevermos ou falarmos (mal e porcamente, por definitivamente não querermos ou não podermos nos fazer entender) nos transforma no supra-sumo dos seres, irrogando-nos poderes e eternidades desmoronados pelo universo a cada átimo de tempo (aqui até caberia o mal e parcamente, como queriam os eruditos referindo-se às deusas Parcas ou aos parcos recursos, mas prefiro o popular mesmo sendo injusto com os suínos).
Porque construímos (mal e porcamente, tão somente no jargão popular, já que consumimos e desperdiçamos muito deixando, ainda, resíduos que entupirão e intoxicarão o planeta por milhares de anos, afetando nossa própria descendência) ou porque exploramos nossos semelhantes à exaustão? São essas características que nos conferem a quintessência entre os seres que conosco coabitam esta minúscula bola flutuante?
Golfinhos e baleias se comunicam. Abelhas descrevem a direção e a distância das fontes de néctar e pólen para que as companheiras os encontrem precisamente. Pássaros constroem os seus ninhos. Algumas espécies de insetos vivem em simbiose beneficiando-se mutuamente da convivência, outras constroem verdadeiras cidades como as colméias e os cupinzeiros.
Chupins jogam fora os ovos dos tico-ticos, botando ali os seus, para que os filhotes sejam criados por outros pais. Ermitãos apoderam-se de conchas marinhas abandonadas para seus abrigos. Formigas invadem colméias, matando para saquear. Pais desnaturados, sem-tetos, ladrões, assassinos.
Somos mesmo tão superiores e diferentes?
Porque somos tão semelhantes é que sempre há algo para comemorar!
Há que comemorar o fato de estarmos vivos. Há que comemorar as nossas saudades e as nossas boas lembranças. Há que comemorar a passagem do tempo curando algumas feridas e abrindo outras. Celebrar as nossas poucas virtudes e até mesmo os nossos incontáveis defeitos e erros, se aprendermos alguma coisa com eles. Há que festejar os amigos e os parentes (e como é bom quando estes se transformam naqueles), tanto os que nunca nos abandonaram quanto aqueles que trilharam nossos caminhos por breves momentos. Os que mesmo apontando os dedos para nossas pequenas ou grandes canalhices não nos negaram as mãos para ajudar a erguermo-nos novamente.
E porque a Astrapéia floresce nestes difíceis meses úmidos e frios e tem as folhas cordiformes (em forma de coração) há que celebrar o amor. Mesmo que dure pouco e que doa desesperadamente quando desvaneçe.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Oito de Junho.

Oito de junho. Seriam trinta e sete anos. Com certeza você se lembraria logo pela manhã. Eu não poderia esquecer.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Agradecimento

Muito obrigado à adorada Thais, ao adotado irmão Zé Renato e à, infelizmente (prá mim) pouco conhecida, Chica, com a qual o Fábio tem a ventura de conviver todos os dias na MKT. Pelos comentários e pelo incentivo para voltar a postar depois de um longo e tenebroso inverno mental.

Salve a Música Popular Brasileira - Rio de Maio

Há algum tempo tinha decidido escrever aqui algumas coisas sobre letras da chamada Música Popular Brasileira. Que me desculpem os admiradores das coisas tipo “minha éguinha pocotó” (parafraseando Vinícius – “beleza é fundamental!”), mas existem canções que entram imediatamente em sintonia com aquilo que estamos sentindo ou vivendo no exato momento em que as escutamos. Há que prestar atenção e há que se deixar levar pela viagem que as palavras proporcionam. Já utilizei aqui algumas dessas poesias que pareciam ter sido escritas para momentos específicos meus e não dos autores.
Dois de junho, final da tarde, começo de noite. Olhei o maço de cigarros (que voltei a fumar - outra das minhas cagadas destes tempos) e calculei que não haveria o suficiente para esperar até o dia seguinte. Dia em que a Márcia completaria cinqüenta e seis anos. Dia em que fiquei enfurnado no sítio todo o tempo (como em muitos outros dias). Liguei o MP3 do carro e, na volta, entre o frio e a umidade, me visitaram o Ivan Lins e a Jane Monheit cantando “Rio de Maio” (do Ivan e do Celso Viáfora):

“Rio, as pedras pulsam na manhã grená.
Frio, vejo arrepios na pele azul crepom do mar.
As folhas caem no Jardim de Alá!
Ah! Por que, no outono, o coração dói mais?
Rio, o verde vibra na manhã lilás.
Frio, Copacabana é um cartão postal vazio.
E o batimento das marés é blues, jazz.
O sol enfeita a zona sul de luz, em vão, em paz.
Pardais passeiam sobre o Vidigal em paz.
Flamingos flanam na Rocinha em paz.
O Rio de maio acorda quase em paz.
Bem perto de mim,
Dois sabiás se amam, perto de mim.
Adolescentes beijam, perto de mim.
Ai que saudade de você e de mim,
dos beijos de amor na tarde sem fim.
Se fosse um filme a nossa vida era assim:
um beijo imenso e o mar cantando Jobim
Um grande amor se reprisando a vida inteira.
Tom, as pedras pulsam na manhã grená.
Frio, vejo arrepios na pele azul crepom do mar.
As folhas caem no Jardim de Alá.
Ah! O outono faz o coração doer demais...”

Nem manhã, nem luz, nem mar. Nada de Rio, de Jardim de Alá, de Copacabana, Vidigal ou Rocinha. Na noite já escura, nem pardais, nem sabiás e, muito menos flamingos (que aqui não os há). Nada de pássaros se amando, nada de adolescentes se beijando. Apenas e tão somente o breu da noite levemente cortado pelos faróis do carro, o frio, a umidade e a solidão. O mesmo trecho da estrada negra que ainda me dá calafrios.
Noite fria, Miracatu, Musácea, local do acidente e, de repente, me surge a belíssima voz da Jane projetando a manhã ensolarada das praias do Rio. O mar, as ondas e os sons do Jobim. O blues, o Jazz, as folhas caindo, a paz. A lágrima.
Ai que saudades de você e de mim!
Ah! Porque, no outono, o coração dói mais?