segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Outro Dia de Finados.


Passou mais um Dia de Finados.
Foi, para aqueles que tinham olhos e disposição para ver, uma bela manhã, uma tarde entristecendo e um anoitecer com chuva. Não honraria as tradições se não houvesse chuva.
A noite me encontrou, como em outras tantas vezes, sentado no meu lugar afundado do sofá procurando coisas inexistentes na tela do televisor. Nada que pudesse chamar a atenção de quem não encontra o que procura. Só imagens desfocadas mudando ao comando da ponta do dedo e sons distantes e incompreensíveis atingindo os ouvidos. Só havia ausências, solidão, carências, saudades e silêncios ensurdecedores.
Não tanto por fome, resolvi, mais por necessidade do que fazer, preparar um caldo verde.
Escutei a voz do meu pai e o seu “Saco vazio não para em pé”. Vi minha mãe lavando e cozinhando as batatas com casca. E me vi pedindo à Márcia para cortar o maço de couves tão fininho como só ela sabia fazer. Acendi uma vela para que a chama me trouxesse de volta um pouco da luz que ela emanava. Ficamos todos ali na cozinha ao som da panela de pressão cozinhando as batatas.
Tirei o “pelego” das batatas, como dizia meu velho, juntei os temperos e as fatias da calabresa (aferventadas em água para minimizar a gordura, como fazia minha mãe) e, depois que desliguei o fogo, juntei a couve e tampei a panela.
Quando voltei à sala, já estava com a cumbuca cheia do caldo, com parmesão e azeite extra virgem. Para não estar sozinho levei também o pires com a vela acesa e as lembranças de todos eles.
Ao final, depois de repetir uma vez, ainda escutei meu pai dizendo que estava muito bom, mas que havia faltado o vinho tinto seco do qual teria colocado uma ou duas colheres na sopa e teria tomado um copo como fazia seu avô lá na sua Paradinha, em Viseu. Minha mãe, para me defender pelo deslize, diria que estava ótimo e que não faltara nada.
Eu, se soubesse que viriam, teria comprado o vinho. Tanto para satisfazer meu pai, quanto para ter visto a Márcia, depois de uns poucos goles, ficar ruborizada e não parar de rir, por qualquer motivo, até que lhe viessem lágrimas aos olhos. Ainda me lembrei dos moleques, agora nas suas próprias casas, provocando-a para que risse ainda mais e nos abastecesse com a sua felicidade. Ela nos mandando parar e, falsamente contrariada, perguntando: "Porque vocês fazem isso comigo?". Saudosa alegria de risos soltos e verdadeiros espalhando-se pela casa melancólica de hoje.
Quando a vela se apagou já não havia mais ninguém. A cumbuca e a casa estavam vazias. Tinha voltado o frio. Como que acatando a ordem dela, o arremedo de sorriso do meu rosto desapareceu.
Por todos os motivos, apenas as lágrimas ficaram. Desta vez nos meus olhos.