quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Ato falho ou plano do crime?

Quando a Companhia Vale do Rio Doce foi doada, por FHC e seus cúmplices, à iniciativa privada ou pirata, uma das primeiras ações tomadas pelos novos donos, foi chamar a empresa de tão somente Vale numa deslavada confissão do que viria a seguir: A pura e simples eliminação do Rio Doce!

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Bonito Lindo.

Não se podia dizer que o rapaz fosse bonito e muito menos lindo.
Não foi por causa da beleza física que ganhou o apelido.
Em todos ou quase todos os plantões noturnos era a mesma situação.
Lá pelas tantas, no final da noite ou começo da madrugada, o pessoal em serviço acabava pedindo uma pizza para comer. Arrecadava-se a parte que cabia a cada um e dois ou três saiam para uma pizzaria a fim de adquirir a “janta”. O rapaz fazia parte da equipe de “busca” e, invariavelmente, comprava uma inteira para si mesmo. O porte arredondado não se contentava com o um quarto, ou dois pedaços de uma “rodela” de oito, que bastava aos demais. Depois das conversas, risos e goles de refrigerantes cada um ia se dirigindo a uma das salas na esperança de que nada tumultuasse o restante do plantão e que se pudesse dar uma cochilada.
O gordinho se afastava com o inevitável “Bom, vou dar uma cagadinha!”.
Quem já teve a desumanidade de prender o Gaturamo (Euphonia violacea L.), passarinho conhecido por “bonito lindo”, numa gaiola sabe que ele alimenta-se basicamente de frutas, ali, na região notadamente bananas. Adora o seu canto e suas cores e aprende que logo após umas poucas bicadas na fruta, inapelavelmente perpetra uma cagadela.
Aquele povo, ao qual nada escapava, complementava com o “Vai lá Bonito Lindo, vai lá”

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Retrato parisiense II.

Ela sentou-se numa das cadeiras vermelhas do La Rotonde, na calçada, e pediu um café.
Mais do que o gosto da bebida, o que lhe afagava os cabelos soltos, o rosto bonito e, principalmente, a memória, era o cheiro de manhã na mesa da copa de sua casa com a mãe e as irmãs, todos os dias, pouco antes de sair para a escola. Não eram as pessoas e os veículos circulando em Paris. Eram a família, as amigas, a casa, a rua tão conhecida e sua distante cidade. Fechou mansamente os olhos, para não afugentar os pensamentos e os sonhos, e naquela breve eternidade contemplou as paisagens mais íntimas de si mesma.
O garçom que, solícito, vinha saber de outros eventuais pedidos sustou a caminhada e parou por uns instantes para não interromper a viagem dela. Quem a visse ali, calma, compenetrada e com o cativante sorriso nos lábios, sorriria também. Quando se levantou para sair deixou, sobre a mesinha, um guardanapo com a anotação “Je suis mes paysages intérieurs et mes limites.”

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Da importância de virar esterco, adubo.


Quiçá seja este o aprendizado mais gritante e desprezado da nossa importância, se alguma há. Do aparente quase nada que vegetais retiram da terra e da água surgem brotos e novas folhas que crescem e alimentam de pequenas a gigantescas plantas e árvores (até mesmo as genealógicas). Crescemos, florescemos, frutificamos, tombamos e nos incorporamos ao solo. Tornamo-nos, pelo bem ou pelo mal que cultivamos nesta fugaz existência, alimento (bom ou ruim) dos que virão. Se não estragarmos ou acabarmos com nossa pequenina bolota habitáculo, quem sabe consigamos ser tão importantes (ou insignificantes) quanto cocô de abelha ou passarinho. Virar esterco, adubo!

domingo, 25 de outubro de 2015

Marinha.

Tentava me concentrar no sobe e desce das ondas e deparei-me com teu corpo pousado na areia. A insignificância dos banhistas frente ao mar deu lugar à imponência do teu horizonte curvilíneo. O sol quase a pino, excitado, lambia tuas costas, tuas coxas, tua bunda e a parte exposta do teu pescoço que o cabelo preso exibia.O atrevido, inda por cima, bisbilhotava as quase escondidas sombras dos teus vales. Me deu uma ganância!

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Simpósio aritmético para melhor compreensão do mundo.

Dois e dois são quatro! Diria imediatamente o mais apressado;
Vinte e dois! Atalharia o acumulador compulsivo;
É zero! Diria o cabisbaixo perdedor;
Me parece um! Partilhou, com calma mas firmemente, o solidário.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Há horas em que a sua melhor companhia é você mesmo.


Eu falava de alguns dos meus problemas. Prá que escondê-los? É sempre melhor colocá-los em contato com o ar. Se houver um ouvinte atento, pode parecer melhor! Ele pontificou firmemente e categórico, com os olhos voltados para quatro nádegas que transitavam chacoalhantes, afirmou: Prá tudo se dá um jeito! Da maneira como falou, me pareceu que se referia às bundas e a frase soou-me como “Prá tudu dace um geitu!”. Percebi que dali não surgiria auxilio algum. Agradeci e fui areá-los em outras paisagens. Quem sabe num banco à beira mar, as preocupações ferreamente instaladas, refrescando-se com a brisa marinha, não oxidassem e apodrecidas pela ferrugem, simplesmente desmoronassem.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

JOHN LENNON WOMAN - Tradução

Retrato parisiense.

A moça fechou-se para dentro! Estava ali, sentada, vestida como para uma viagem à Europa e com os cabelos soltos pedindo afagos. Assim, tal qual quem nada ou tudo quer, cerrou os olhos mansamente de modo a não fazer ruídos ou movimentos que pudessem distrair os pensamentos e sonhos que por ali brincavam. A quem passasse e tivesse o privilégio de contemplá-la, transmitia absoluta serenidade. Como se visitasse, pela vez primeira, as recônditas paisagens de si mesma, linda e embevecida, sorria.

domingo, 18 de outubro de 2015

Bem-te-vi.



O pássaro pousou no telhado, na quina do beiral e olhou aqui prá dentro da sala com o olho direito. Com o esquerdo olhou para a avenida ali embaixo, por onde carros e motocicletas passavam estrugindo. Deu uma cagada brancacenta e alçou vôo para o lado oposto sem ao menos me dizer “bem-te-vi”.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O perfeito caimento de tuas vestes.

Quando meus problemas cardíacos restringiam-se aos afetivos e eu nem supunha da existência dos outros que viriam depois, embasbaquei-me com tua gloriosa marcha para o quarto em suntuosos trajes de nú. Meu olhar absorto e contemplativo impediu-me de fotografar e minha memória, abarrotada e velha, vai deixando a obra desbotar-se.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Nacionalidade e biscoitos.

“Seu” Domingos morava no Tremembé e criava Fox Paulistinha. Um dia, no século passado, disse-me que eu era português. Respondi-lhe afirmando que meu pai era da “terrinha” e minha avó materna também. Que minha mãe e eu havíamos nascido no Brasil, portanto brasileiros. Solapou meus argumentos e a conversa perguntando-me: “Os filhotes de uma gata paridos no interior de um forno seriam, por acaso, biscoitos?”

domingo, 11 de outubro de 2015

Explicação, mais do que plausível, para a salinidade dos oceanos.

Manhã. Sol encoberto. Praia quase deserta. Casal caminhando na minha direção, ali onde as ondas se tornam espumas rasas. Ele gesticula com os braços nervosos e ela leva as mãos aos olhos. Quando nos cruzamos sem que eu seja notado, observo que lagrimas fogem do rosto dela e se jogam na tentativa de misturarem-se àquela pequena porção de água que retorna correndo à imensidão do Atlântico.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Hoje perdi um sol!

Hoje perdi um sol! De nada serve o “amanhã ele voltará”. Amanhã será outro, não o mesmo, Como serei outro eu, Como será outro mar, outras gaivotas, outras nuvens e serão outros os reflexos na areia molhada. Hoje, se quiser, devo valher-me de um sol antigo, já visto e já gravado. Amanhã, se esta bola continuar a girar, o que espero ardorosamente, Outro sol surgirá e, se puder, lá estarei eu, na fila do gargarejo, à espera Para os digitais registros. Ele não será o mesmo, assim como não será o mesmo o tempo de fazer as coisas que ainda não fiz.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Cicatrizes.

Podem perguntar-me: Como foi? Doeu? Dói ainda? Eu responderia que quando as cicatrizes estão consolidadas não doem mais fisicamente. Há exceções. Algumas, como as decorrentes de fraturas, por vezes doem quando o tempo muda. Quando as cicatrizes não sangram mais, os ferimentos e dores físicas desaparecem ou transmudam-se em mentais ou espirituais. Nesse caso o líquido espesso de cor vermelha, que não corre mais das feridas, cede lugar ao outro, humor incolor e levemente salino, que em situações especiais ou inesperadas teima em escorrer pelos olhos.
Raízes.
Espelhamos, por dentro e por fora, a imagem daquelas e daqueles que nos antecederam, nos moldaram, nos marcaram e nos fazem quem somos. Se fossem mais visíveis as raízes que se fincaram em nossos corpos e mentes, teríamos a aparência de um gigantesco emaranhado.

Sementes

Algumas sementes de árvores não germinam ou, se o fazem, não se desenvolvem ao pé daquelas que lhes deram origem. Seleção dura e determinante para que procurem um local mais afastado das suas raízes a fim de que recebam água e nutrientes e da sua sombra para que recebam os indispensáveis raios do sol. Em alguns casos os frutos e as sementes caem sob a frondosa copa da mãe. Gerações de jovens mudas nascem e passam algum tempo esperando, mirradas, que os dias da mais velha cheguem ao fim e umas poucas mais saudáveis herdem-lhe o alimento, a água e, mais ansiosamente, a luz. Noutros casos animais comem alguns dos frutos e vão despejar os resíduos, incluindo as sementes que resistirem à digestão, em outros locais. Espécies há, entretanto, que se anteciparam para evitar a disputa e a concorrência. Dotaram cada semente de formato, algodão, paina ou asas que lhes permitam voar. O acordo foi feito com o vento. No momento certo de deixar a proteção materna, aquele aparece e carrega os descendentes para outros lugares. As sementes viajantes pousam sobre qualquer superfície até o instante em que se dê o definitivo encontro com solo nutritivo e úmido sinalizando que é hora de lançar ancora ou raízes para perpetuar a hereditariedade.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Você nunca esqueceu nossos aniversários. Nós não esqueceríamos o seu. Talvez não caiba o feliz aniversário, o muitos anos de vida, exceto pela vida em nossas memórias. Não cabem o bolo e as sessenta velas que deveríamos acender hoje. Cabem, ou melhor não cabem, as saudades que acumuladas dentro de nós liquefazem-se e transbordam pelos nossos olhos. Paz e muita luz.