quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Marcas na fôrma de pizza

Houve uma época em que fazíamos pizzas em casa. Eu preparava a massa e a Márcia cuidava das coberturas. A molecada adorava pizzas e era muito agradável ver o povo ao redor da mesa onde a massa era espancada. Pra não ficar no costumeiro e no tradicional, eu inventava. Quase sempre iam folhas de orégano seco misturado à farinha e aos demais ingredientes. Lembro-me de uma vez em que misturei uma farofa de amendoim salgado e minha cunhada Eliane estava aqui. Por gosto ou por boa vontade gostaram. Na vida como no amor, além dos costumes, vez ou outra é preciso inventar. Dar novo sabor às coisas.
Quando podia tomávamos um vinho português para homenagear meu pai. Bons tempos.
Para facilitar os cortes dos pedaços, resolvi marcar as fôrmas com um alicate. Um dente a cada setenta e dois graus. Cinco pedaços exatamente iguais. Normalmente fazíamos duas ou três pizzas, o que nos satisfazia. As fôrmas caseiras não são tão grandes quanto as comerciais. Mais gente, mais pizzas. Se alguma coisa sobrasse ia para o café da manhã. Quem nunca se esbaldou com pedaço frio no dia seguinte?
Depois a molecada foi saindo de casa para estudar, trabalhar e casar e as fornadas foram diminuindo. Quando era o caso íamos a uma pizzaria. Nada como antes.
Estes dias comi uma novamente. A massa comprei no supermercado. Esparramei molho de tomate pronto sobre ela e larguei umas fatias de mussarela e umas rodelas de cebola e de paio. Comi sozinho com um copo de vinho lusitano. Quando lavei a fôrma encontrei as cinco marcas que ainda lá estão.
Talvez fosse o caso de jogá-la fora. Comprar uma outra e fazer marca nenhuma.
Solidão deve ser isso. Comer uma pizza sozinho.

Prá ver - "Espaços Diversos" II

Os espaços onde vão estar as obras são:
- Banco Santander;
- Bar do Brega;
- Café Alecrim Dourado;
- Café Suco & Cia
- Cantina Delirius;
- EEPSG Armando Gonçalves;
- Lanchonete Oásis;
- Lanchonete Primos;
- Rodoviária Municipal.
Os artistas que estarão expondo são:
- Apollo;
- Deco;
- Elisa;
- Flávio;
- Luzia;
- Margarida;
- Matsuda;
- Paulo;
- Rafael;
- Rene;
- Rosemeire;
- Shirlei.
Valem as visitas aos locais.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Prá ver - "Espaços Diversos"

Começa amanhã, 28 de outubro, e vai até o dia 04 de novembro, a 9ª Exposição de Artes Plásticas de Miracatu que este ano recebeu o nome "Espaços Diversos".
A organização ficou a cargo de Edison Feitosa, Genésio Martins e Nestor Rocha. Buscaram eles, este ano, diversificar os locais onde ficarão expostas as obras para que a população pudesse ter maior e mais facilitado acesso a elas. Banco, bares, lanchonetes e rodoviária receberão as obras de várias técnicas e dimensões. Minhas, estarão na mostra, dez gravuras.
De antemão o agradecimento pela iniciativa, pelo convite e pelo duro trabalho do trio que com certeza abre espaço na tão acanhada cena cultural da cidade.

Prá ver

Só mais hoje e amanhã para ver a exposição IMAGENS IMPRESSAS, no SESC Santos/SP da Rua Conselheiro Ribas, 136. Gravuras minhas e dos colegas do Grupo de Gravura Mariana Quito estão lá expostas desde o dia oito. Vale ir dar uma olhada.

sábado, 23 de outubro de 2010

Pressentimento

Não me esqueci nem do nome dela, Deise.
Eu um menino, ela uma moça linda.
Mais ainda meiga, objeto da minha cobiça de moleque.
Dos longos olhares arrastados e pegajosos dos meus olhos.
Da minha rua, a São José do Tremembé da Cantareira,
Que depois ganhou nome menos importante que o do santo.
A casa dela no meio da rua, a minha lá em cima, a última.
Os olhos dela eram caminho obrigatório para minhas idas e vindas.
Lá embaixo, quase esquina com outra, que depois ganhou nome de turco.
Eu parado esperando o caminhar mais lento de meu irmão mais novo.
A aproximação dela com a irmã casada.
Meus olhos se desenrolando na direção dos dela.
Na passagem a mão dela no meu rosto, que pensei nunca mais lavar.
“Que olhar triste você tem” disse a meiga voz.
Eu, imobilizado, como presa dominada,
Admirando-a até que, flutuando, sumiu na esquina.
Mal sabia eu que, mais que uma frase solta,
Aos meus ouvidos uma quase declaração de amor,
Era um vaticínio.
Se me visse hoje, aqui ou na mesma São José,
Por certo diria, sucinta, “Continua tendo”.
Não pode ter sido. Daqueles olhos, daquela mão,
Daquela voz não sairia uma maldição.
Certamente eram e devem ser outros os motivos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Das perdas

Confesso!
Não sei lidar com as perdas.
Não temporizo. Não delongo.
Sofro logo, de imediato, sofro depois e mais além.
Tranco-me em mim mesmo. No amplo da casa.
Fecho-me na minúscula amplitude do mundo.
Busco explicações. Não transijo. Questiono.
E nenhuma resposta me vem, me acorre, me ocorre.
Em minha cara e em minha alma a agonia transparece.
Encontro nas canções, em quase todas, os versos e as falas
Que me identificam assim como rótulos.
Como fichas técnicas das angustias que carrego.
Não condescendo,
Não deixo pra amanhã a lágrima que posso derramar hoje.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Cara de meio ambiente

Hoje acordei com a cara do dia. Com o jeito do meio ambiente. Todo nublado, sem sol, sem o calor das manhãs. Acordei chocho, como o dia.
Bom era ser pássaro. Não estar nem aí. Esperar o nascer ou renascer da manhã e voar. Bater as asas ou planar. Esvoaçar. Por prazer ou por necessidade. Desta nuvem àquela, revoar. Pra buscar alimento, água, uma pousada que não aquela da noite. Saber que apesar de não visível o sol está presente. Abrir as asas para espantar o frio da madrugada. Deixar as penas sentirem a claridade do dia.
Bom talvez fosse voar. Procurar fruta madura. Sentir cores, cheiros e sabores. Independentemente do horário de verão. Simplesmente voar, olhar as coisas do alto. Pousar e voltar a voar. Comer, beber, tomar banho em poça de água. Espargir-se na areia. Cantar. Dar uma cagadela, acerte a cabeça de quem acertar.
Bom era voar como pássaro.
Bom era ser contente. Aproveitar a manhã, esta mesma manhã. Chocha ou não, uma manhã. Viver integralmente esta, como foi a de ontem. Como será a de amanhã.

domingo, 17 de outubro de 2010

CHUVAS DE VERÃO

PODEMOS SER AMIGOS SIMPLESMENTE, disse-me ela, como se a amizade fosse algo “simplesmente”.
A amizade pressupõe dedicação, entrega, carinho, respeito, tanto quanto o amor ou o romance. Necessitam de opiniões divergentes, concordâncias, discussão. Nenhum dos dois sobrevive sem questionamentos. A submissão constante à opinião do outro é coisa para fieis e santos. Questionar existe desde quando o criador inventa a criatura. Não existe o paraíso para ambos. Vale para os deuses, vale para os artistas. A obra questiona permanentemente o autor. Porque seria diferente para simples seres humanos que buscam o melhor relacionamento? Porque seria diferente para o amor e para a amizade?
Ambos exigem cumplicidade. Ambos exigem conivência e muito trabalho. Nada é tão pouco “simplesmente” quanto a amizade e o amor. Se inexistentes num, o serão, com certeza, na outra.
COISAS DO AMOR NUNCA MAIS, ficou assim como que implícito aos meus olhos que percorriam mais uma vez suas pernas.
AMORES DO PASSADO E DO PRESENTE REPETEM VELHOS TEMAS TÃO BANAIS. Coisas passageiras ou não tão. Coisas tão próprias do amor e da amizade. Temas tão velhos quanto a existência do mundo.
RESSENTIMENTOS PASSAM COMO O VENTO, SÃO COISAS DE MOMENTO, SÃO CHUVAS DE VERÃO. São passageiros os desencontros, assim como as tempestades. O sol do próximo amanhecer seca os caminhos e nossos pés não se sujam mais com a lama de ontem à noite. As lágrimas não formam poças e muito mais rápido do que estas, acabam secando e dando lugar ao riso. Passam como o tempo. Basta dar a ele o que lhe é intrínseco. Dar tempo ao tempo.
TRAZER UMA AFLIÇÃO DENTRO DO PEITO É DAR VIDA A UM DEFEITO QUE SE EXTINGUE COM A RAZÃO. Nem amor e nem amizade dão vida, ou importância, a defeitos. Convivem com eles e os superam. A aflição se vai com o próximo sorriso, com o próximo carinho. Aflição e defeitos existem para serem superados. Algumas vezes não se removem todas as pedras do caminho mas estas acabam sendo contornadas e passam a fazer parte e a embelezar a paisagem.
ESTRANHA NO MEU PEITO, ESTRANHA NA MINHA ALMA, AGORA EU TENHO CALMA. Ficar em paz consigo mesmo faz parte do depois. Depois das chuvas e trovoadas. Depois do vendaval que açoitou o bambuzal. Depois da cheia que fez vazar o rio. Depois da tempestade, melhorou o tempo. Depois os pássaros continuaram voando seguindo as nuvens brancas numa direção e noutra. Depois virá o desassossego. Não fosse assim e não seria calma, seria rotina.
NÃO TE DESEJO MAIS é como se me dissesse o corpo tantas vezes acariciado quando o contemplei uma última vez. Não é o que disse o meu, mas por via das dúvidas acrescentaria ao mais o assim.
PODEMOS SER AMIGOS SIMPLESMENTE, AMIGOS, SIMPLESMENTE, NADA MAIS. O Caetano continuou cantarolando no rádio do carro a música do Fernando Lobo que foi feita pouco antes de eu nascer. Eta mundo velho sem porteira pensei eu ao avistar ao longe a silhueta escura dos montes e serras contra o azul escuro daquela noite. Montanhas e elevações que sempre estiveram ali e que vão continuar depois de mim e depois que todas as rádios deixem de tocar a música. Mesmo nesse tempo continuarão existindo o amor, a amizade e as chuvas de verão.

sábado, 16 de outubro de 2010

O amor e o churrasco

Nada mais primitivo que o amor e o churrasco.
Ainda que elas apareçam vez ou outra, não são as labaredas que devem prevalecer. Um e outro só existem quando acompanhados do calor das brasas.
Pode ser que precisem de uma chama inicial para dar início ao processo, mas o fogo contínuo e direto queimaria as carnes e extinguiria rapidamente o combustível.
No churrasco, normalmente utilizo um maço de ervas com salsinha, manjericão e outras que tenha à mão para “benzer” as carnes quando o fogo se levanta. A água, com um pouco de sal, acaba respingando sobre o carvão e as chamas voltam a ficar sob controle. Não se pode “benzer” demais sob pena de apagar o fogo nem de menos para não carbonizar o assado.
Também no amor o que se deve buscar é manter a brasa acesa. Quando a labareda se levanta cada qual busca o maço e o líquido para manter tudo na devida temperatura. É por isso, talvez, que após o sexo os corpos dêem uma relaxada tal qual a verificada, após a benzeção, nas churrascadas.
Da mesma forma que não devem prevalecer as chamas, não deve chegar ao ponto de somente existirem cinzas. De igual modo, como num momento e outro aparecem as labaredas mais altas, vez ou outra aparecem as cinzas. Elas se retiram mandando-se ar ao braseiro, para que não fique sufocado, sem respirar .
O grande segredo é, provavelmente, manter limpo e rubro o carvão. É isso que não é simples. Isso é que é cansativo. Isso é que faz desistirem os mais apressados. Aqueles que preferem ir às churrascarias
Quando se quer um churrasco duradouro, que dure tanto quanto deve durar a festa, deve-se cuidar do braseiro. Assoprando de vez em quando, colocando mais um pedaço de carvão, benzendo a chama com a salmoura. Não é fácil. Não é a toa que, não são todos os convivas, bons churrasqueiros. Não é por outra razão que a prática é difícil e trabalhosa.
Por outro lado, a milenar existência de um e de outro, demonstra que todos podem se tornar amantes ou churrasqueiros. Basta cuidado. Basta persistência. Basta dedicação para que a coisa não desande.
Não bastam serem boas as carnes. É preciso tempero. Normalmente o sal basta. Não deve ser por coincidência que o sal existe na saliva dos beijos e no suor do antes, do durante e do depois do amor. É preciso que o carvão seja de boa qualidade e seco. Carvão úmido não queima e quando o faz produz muita fumaça. Esta acaba fazendo chorar àqueles mais próximos.
Quando se abana a churrasqueira e mais nada acontece, o fogo apagou-se totalmente.
Não cabe apontar culpados. A festa simplesmente acabou.
Não se faz churrasco ou amor quando se deixa esfriar o necessário calor. Não se pode fazê-los com cinzas, com braseiros extintos.

domingo, 10 de outubro de 2010

Seixos e raízes


Destas caminhadas por entre as Astrapéias (Dombeya Wallichii) é que me veio a idéia das gravuras.
Neste caminho coalhado de seixos colocados para minorar a lama da estradinha me vem a lembrança das caminhadas que por aqui fizeram meu pai, vindo da Viseu de Portugal, minha mãe, meus irmãos e minha mulher, que se foram.
Estas pedras claras retiradas dos rios como subprodutos da areia extraída pelos areeiros. A compreensão de que se lá, no leito dos rios, fossem deixadas transmudar-se-iam também, sabe-se lá quando, em minúsculos grãos de areia. A reminiscência de cada uma dessas pedras esbranquiçadas desde os primórdios quando ainda eram gigantescas. O rolar, o bater-se umas contra as outras, as intempéries, os ventos e a força da água as transformaram nesses pequenos seixos polidos de formas arredondadas que se podem ver agora, parcialmente enterrados na argila que já existia no caminho. Água mole em pedra dura.
As raízes das Astrapéias que aqui e ali afloram à superfície, não sei se em busca de ar, água ou calor. Centenas, milhares, delas cruzando-se e mergulhando novamente terra à dentro. As próprias Astrapéias que floridas com esses milhares de cachos de cor rósea, alimentam outras tantas abelhas e insetos de todas as espécies. Os beija-flores e os outros pássaros de todas as cores. A mágica dessas plantas. Nunca uma delas, ao menos aqui, nasceu de sementes. E não se fale em falta de polinização já que a todos os instantes, a busca do néctar e do pólem proporciona as fecundações.
Aqui o que as reproduz é a estaca de galho.
Como se a mesma planta trazida de Madagascar, há muitos anos, fosse ganhando galhos e raízes em outros lugares. Como se aqui pudéssemos falar em clones. Um pequeno pedaço da mais antiga que para cá foi trazida reproduzindo-se aos milhares na impressionante mágica da vida. Como se cada pedaço de nós mesmos pudesse reproduzir outro ser semelhante e, depois, mais outro e mais outro.
Estranhas disparidades. Como vida e morte. Como se as pessoas que por aqui passaram fossem desaparecendo tornando-se apenas minúsculos grãos de areia da memória, lembranças indo e vindo ao sabor das chuvas e dos ventos. Como se as pessoas que por aqui passaram fossem se reproduzindo fincando aqui e ali raízes e descendentes.
A vida é uma coleção inesgotável de Astrapéias e seixos.

Das solidões solitárias ou acompanhadas.

Existe a solidão de quem está só porque perdeu a companhia e, durante algum, ou muito tempo, fica como que a pairar no ar, sem saber, ou sem ter, onde apoiar os pés.
Existe a solidão de quem supõe estar acompanhado. Aquele que se encontra andando numa avenida muito movimentada, ou almoçando num restaurante lotado, ou pendurado num transporte coletivo abarrotado de pessoas. Mesmo estando rodeado de milhares, centenas ou dezenas de pessoas ainda assim está só com seus próprios pensamentos.
Boas idéias acabam aparecendo nestes últimos momentos, quando você está, como se dizia no tempo do onça, dando tratos à bola.
Péssimas idéias também comparecem, apesar de não convidadas, nestas horas. É aí que bate a angustia, a depressão e aquele sentimento de abandono que já deve ter te alcançado dentro de um carro na avenida Paulista, no momento de rush. Até mesmo o aparelho de som ligado parece estar dando o fundo musical para a tua solidão. Não adianta trocar para um rock pauleira. Alguns solos de guitarra ou gritos lancinantes te puxam de volta como se estivesse amarrado com um potente elástico.
Há alguns que tentam espantar a tal, puxando conversa com o ausente/presente ao lado: Foda o trânsito hein? Com esse sal que puseram no arroz, não tem pressão alta que agüente, não é não? Geralmente essas e outras bobagens não resolvem. O desacompanhante ao lado pode estar lá com os seus próprios problemas ou estar no meio da solução de uma fórmula que dê fim ao cancro mole ou à gonorréia e vai ficar muito injuriado, o que pode fazer com que aumentem os seus problemas por causa de uma ofensa inesperada.
As crianças resolviam esses problemas criando amigos imaginários. Era comum, acho que ainda é, ver crianças conversando e até mesmo discutindo com esses amigos que só existem nas suas mentes.
Se as suas companhias não estão resolvendo o seu problema de sentir-se só sobre toda essa esfera que habitamos, crie um amigo ou amiga imaginária. Fale com eles, gargalhe da piada que lhe contar, vá mostrar-lhe o parque. Chore da desgraça que ele ou ela lhe contar. Afinal essa dor pretensamente imaginária vai ser igual à sua.
Não se importe com as pessoas aparentemente próximas fisicamente. Dane-se quem estiver olhando ou comentando. Não se envergonhe. No final das contas essas pessoas não são mesmo suas amigas.