terça-feira, 23 de novembro de 2010

Amor e carne de porco.

Recebi ligação de uma menina. Chorava tanto do outro lado da linha que imaginei inundar meu celular. Descobrira que o marido a estava traindo, não uma ou duas vezes. Tiveram um início de discussão e ele apanhou suas coisas e saiu de casa deixando a mulher e o filho, com menos de um ano.
Ao que pude notar, suas lágrimas resolveram acompanhar o rapaz e estão saindo todas, um dia sim e o outro também, como se lhes estivesse faltando o espaço naqueles olhos novos.
Por mais que se tente compreender e consolar, e ela garantiu que se sentia melhor conversando comigo, não há como não ficar pensando no que acontece com as relações entre as pessoas.
Dois jovens se conhecem, se enamoram, passam a viver junto (o casamento tradicional parece ter saído de moda definitivamente), engravidam, colocam uma criança no mundo e, logo depois se separam, cabendo à mãe dar conta do pequeno.
Antigamente as comidas eram consumidas observando-se seu estado geral. Colocavam-se sementes (arroz, feijão, milho, etc) numa grande lata, retirava-se o ar do interior (geralmente com fogo) e vedava-se a tampa. Matavam-se porcos e as carnes eram guardadas em outras grandes latas cobertas e envoltas com a gordura derretida do próprio animal. Para que fossem consumidos, retiravam-se as porções necessárias, examinavam-se os alimentos e lacravam-se as latas novamente. Dava trabalho, gastava-se tempo, mas armazenados adequadamente duravam bastante tempo. Hoje se olha o carimbo do fabricante ou empacotador. Vencido ou próxima a data do vencimento, joga-se tudo fora. O mercado da esquina provê outros. Tudo muito cômodo.
Parece-me que as ligações humanas têm datas de vencimento, determinadas e carimbadas sei lá por quem. Não há nenhuma preocupação para evitar o caruncho ou o ranço. Não se faz esforço nenhum para que a lata ou as relações deixem de apodrecer. Não se colocam mais as sementes ao sol para evitar o bolor. Não se olha mais o estado das latas ou dos conteúdos. Não se faz manutenção preventiva.
A impressão que fica é que as relações eram mais bem cuidadas. Se alguma coisa não ia bem, conversava-se e se tentava descartar apenas o que estava errado ou estragado. Dava-se tempo ao tempo para se manter o que havia de bom no relacionamento. Se faziam acertos, se aparavam as arestas, para que o conjunto continuasse funcionando bem.
Hoje, diante da fartura de alimentos e de potenciais relações, rejeita-se todo o pacote. Com o pão amanhecido faziam-se torradas que eram saboreadas com patê. Agora o pão de ontem é jogado fora e vai-se em busca do pão fresco. Vivemos na era dos descartáveis, incluindo nós mesmos.

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