terça-feira, 16 de novembro de 2010

Sobre saudade e solidão

A amiga Márcia, mestra em artes, me corrige quando digo que estou solitário dizendo que o mais adequado seria dizer saudoso.
Analisando os escritos e anexos que me enviou a respeito da postagem aqui sobre a pizza solitária, vou carinhosamente discordar dela.
Saudade é diferente de solidão, apesar de serem ambas substantivos femininos, começarem com a mesma letra e terem o mesmo número delas. Nos dicionários a primeira é a lembrança nostálgica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa ou coisa distante ou extinta e a segunda o estado de quem se acha ou vive só. Fantástico o dicionarista, fantástica a nossa língua. Nostálgica e suave a saudade. De quem vive ou se acha só, a solidão. Eu acrescentaria que a solidão pode ser também nostálgica, mas quase nunca é suave.
Só se sente saudade de pessoas ou coisas, ações inclusive, que se acham distantes ou extintas e é perfeitamente possível viver-se só mesmo rodeado de coisas e pessoas.
Aqui, à beira das estradas é comum encontrarem-se pessoas caminhando pelos acostamentos em direção do nada, do mais pra frente. São os andantes ou andarilhos que carregam os pertences às costas, como os caracóis ou tem o mundo como pertence, como os pássaros. Apesar dos milhares de veículos e pessoas que passam, estão inapelavelmente sós. Talvez carreguem dentro de si saudades de outros tempos e coisas e pessoas que buscam encontrar ali, no logo adiante, no depois da próxima curva. É provável que a busca nunca termine. Vivem das frutas dos acostamentos e das esmolas, dos banhos das chuvas ou das bicas e caminham. A maioria fala sozinha, que talvez seja a melhor forma de ser escutado
Outros, aparentemente mais felizes, andam com um cachorro. São facilmente distinguíveis. O cachorro é, quase sempre, o mais bem cuidado e alimentado da dupla. Estranhamente, nem o homem e nem o cachorro se aproximam dos outros pelo caminho. Parece que se bastam, homem e cão, a si mesmos. Podem sentir saudades de coisas, pessoas ou situações, mas definitivamente não parecem solitários.
Em mim, que não tenho a paciência dos caracóis, a liberdade dos pássaros e não me afeiçôo tanto assim aos cães, convivem saudade e solidão, algumas vezes isoladas, algumas vezes como irmãs siamesas, quase sempre de modo doloroso. Na postagem, recordar-se das marcas na fôrma, tem a justa medida da saudade, dos tempos de família reunida. Comer o alimento sozinho, quase todos os dias, tem a aparência, o cheiro e o sabor de estar e se sentir só. A exata e correta mensuração da solidão.

Nenhum comentário: