terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mergulho



A ave voa mergulhada num céu azul escuro como quem esquadrinha a superfície de um oceano de profundo azul.
Sabia que assim, rente ao mar, podia voar por mais tempo desgastando-se menos. Vez ou outra, com a ponta do bico ou dos pés, riscava a superfície provocando uma fina linha de espuma e borbulhas. Comprazia-se com o vôo.
Os mais desavisados julgavam-na pronta para capturar alimento. Um olhar mais demorado, entretanto, mostrava que amava a liberdade proporcionada pelo voar. Submersa no azul do céu capturava liberdade. Mais do que se importar com as ondas mansas ou revoltas, importava-se com o vento. Subia por cima das poucas nuvens e mergulhava com a máxima velocidade até que, numa fração de segundo, mudava o rumo e planava sobre a superfície da água.
Aprendeu que podia voar mais alto e ver mais longe. Aprendeu que o mergulho mais profundo a levava até os peixes mais saborosos. O bico, a cabeça, as asas, todo o corpo transformado em flecha. Aprendeu que não precisava viver alimentando-se dos restos atirados pelos barcos de pesca. A maioria imaginava que a vida era apanhar cabeças de peixes atiradas pelos marujos dos barcos e não competir com eles à procura do melhor. A maioria voava todo o dia para receber as migalhas.
Contrariando as leis das gaivotas, descobriu que podia voar no escuro. Viu que depois das trevas nascia um novo dia. Aprendeu, dolorosamente, que um galho aparentemente calcinado volta a brotar. Renascer. Depois do negro da noite, pela manhã voltavam as cores.
Depois, quando sobrevier a fome, mergulha novamente com o mesmo prazer, desta vez para não desviar no último milésimo de segundo. Desta vez para entrar na água o mais fundo que puder e capturar o melhor dos melhores peixes que avistar. Este, desavisado
e sentindo-se seguro diante da ausência, ao redor, de predadores marítimos, nem se dá conta do breve instante que separa a vida da morte, o hoje do amanhã.
- Bonito o seu mergulho! Disseram-lhe o sorriso e os olhos negros, a um só tempo ingênuos e provocantes, que se insinuavam na jovem de corpo dourado de sol ou de genética.
A gaivota vivida de outros vôos, como um Fernão Capelo Gaivota (de Richard Bach), a contemplou afastando-se num andar de quase onda marulhando para um lado e outro. Que magníficos vôos e peixes esconderia aquele mar dourado como que banhado pelo por do sol?

Um comentário:

Paespedro disse...

Muito bonito querido.. Já pensa numa gravura comemorativa pro Ap se tudo der certo! Amo vc.