quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Finados

Estranho comemorar as perdas num único dia do ano. Estranho marcar data para a tristeza. Quem tem perdas recentes para trazer à memória não precisa de datas especiais. Todos os dias são dias de lembranças. Quem não tem ausências para lamentar, não precisa do dia. Aproveita o feriado para ir à praia, para ir ao campo, para colocar as leituras em dia. Portanto, tanto para quem as tem, quanto para quem não as sofre, o dia é prescindível.
Qualquer dia, qualquer hora é momento de lembranças. Lembrança não precisa de anotações na folhinha. Mais do que substantivo feminino ou do que o ato de recordar é um ser independente. Aparece quando quer, não pede permissão. Feito posseiro, invade sem pedir autorização. Inexplicavelmente provoca sorrisos e lágrimas. Lembrança é bicho traiçoeiro, ataca sem permitir defesa prévia.
Dia de finados deve ser invenção do capitalismo mais selvagem. Não falo do comércio de flores e velas que deve sofrer um incrível incremento nesse dia, até porque, não me consta, existirem transnacionais poderosas que monopolizem o comércio de coroas de flores ou maços de velas. Pelo menos por enquanto.
Falo do capitalismo selvagem a varejo, todas as empresas, as pequenas, as médias e as grandes. Devem ter feito lobby para que fosse estabelecido o dia. Quer sofrer ou chorar por qualquer perda? Faça-o no dia dois de novembro. Punto e basta! (também me afetam os bordões criados pela televisão).
Não fosse assim, cada um teria o direito de ter os seus próprios feriados. Não vou trabalhar hoje porque estou com saudades. Vou lamentar e sofrer até me secarem as lágrimas. Quando der, volto. Fica à vontade, querido, diria, compreensivo, o dono ou gerente da loja ou do banco, se ele próprio não tivesse as suas mágoas para purgar.
Se não é invenção patronal, é comodidade pessoal.
Não sofrer e nem chorar nos aniversários das datas em que finaram ou terminaram vidas, sentimentos ou esperanças. Guardar tudo para um único dia do ano. Aí, cada qual no seu canto, como eu no meu, anteontem, sofre e lamenta-se à exaustão. Depois, no primeiro minuto do dia seguinte já é permitido tirar o luto. Dobram-se bem os trajes, coloca-se uma ou duas bolinhas de naftalina, para evitar as baratas, e vamos à vida.
Infelizmente aqui os relógios não marcam adequadamente as horas e os dias e a minha memória não me dá tréguas.

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