domingo, 14 de junho de 2009

Cama polar

Não sei por que cargas d’água sempre dormi do lado esquerdo.
Não sei se há algum estudo sobre isso. O lado que os casais escolhem pra dormir.
Por ser canhoto e usar esta mão para desligar o despertador? Mesmo depois que você passou a controlar o relógio, mantivemos os lados originais, independentemente de camas, casas ou lugares. O braço esquerdo livre para os afagos ou, antigamente, mais próximo do cinzeiro? As poucas vezes que mudamos, não nos sentíamos confortáveis.
Muitas vezes uma cama de solteiro bastava pra nós dois. Até mesmo um sofá na sala, como aquele da Vila Mariana, o primeiro, aquele de madeira aglomerada, maravalhas ou raspas de madeira coladas, disfarçado e vendido como móvel laqueado, que não resistiu à primeira estripulia e que durante alguns meses apresentou uma lata de óleo como suporte ou escora da travessa frontal remendada. Nossas camas de casal muito mais resistentes. A de São João Novo, que construí com pinho do Paraná e cujo estrado dura até hoje.
Me dei conta disso, mais detidamente, agora, depois do acidente. Com as costelas quebradas do lado direito, só me é possível deitar de costas ou sobre o lado esquerdo. Eu que me virava diversas vezes à noite e desmanchava totalmente a sua arrumação dos lençóis.
Todos estes dias, já com o frio de junho, não consegui virar-me para o seu lado para ter certeza de que você não estava lá. Meu braço te puxando pra junto de mim ou, a contrapartida, teu peito aquecendo minhas costas. Perfeitos e aquecedores encaixes.
Algumas vezes ainda tento virar-me e estico o olhar para o lado direito.
A constatação é dolorosa e solitária.
Aquele lado da cama parece uma extensa planície polar, gelada.
Inapelável e implacavelmente desabitada.
Todas as noites me sinto como um daqueles desbravadores solitários dos pólos. Com a incerteza de chegar vivo ao amanhecer ou morrer enregelado.
O explorador, ao final, comemora a glória do pioneirismo. Aqui, ao cabo de cada jornada noturna, nada há a comemorar.
Há apenas a expectativa de uma nova noite.
Outra gélida e dura travessia e uma gigantesca saudade.

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