segunda-feira, 8 de junho de 2009

Bodas de Fel

O casamento ocorreu há exatos trinta e cinco anos, dia oito de junho de 1974. No dia dois ela tinha feito dezenove anos e eu, em dezembro do ano anterior, vinte e quatro. Meus pais já estavam morando em São Vicente e a festa foi realizada na casa dela, em Tremembé, perto da Cantareira. Algumas das fotos mostram pessoas que nunca mais vi. Outras que continuaram sendo colegas de serviço por algum tempo e outras, muitas, que também já se foram.
Lembro-me da viagem para Santos, da lua de mel no apartamento emprestado da avenida da praia, no Gonzaga. Depois, do apartamento que alugamos na Vila Mariana. Da chegada do Diogo e da mudança para São Roque, onde nasceram o Bruno e o Fábio.
A vinda para Musácea com o Fábio de colo ainda. A permanência numa barraca de camping durante a construção da casa e os apuros que passamos, principalmente ela, durante a fase mais difícil aqui.
Tempos de absurdas dificuldades que encaramos como parte de um sonho, talvez mais meu do que dela, de criarmos os filhos longe da violência da cidade grande. Coisas daquela época de alimentação macrobiótica, cultivo da terra sem pesticidas e sem adubos químicos, ar respirável, céu e estrelas visíveis todas as noites. O apoio, a retaguarda e as dificuldades que somente a amiga e companheira, muito mais que esposa, suportaria. Nenhuma queixa e nenhum desânimo visíveis. Apenas doação. A época das plantações e colheita. A época da minha perna quebrada, a ponta da muleta afundando na terra sempre que eu procurava ajudar. A sensação de absoluta inutilidade. A permanência sozinha, com as crianças, quando fui para o hospital.
A ligeira melhoria quando passei a dar aulas. O concurso para Escrivão. Vida um pouco melhor, mas ainda assim muito distante do padrão que tínhamos em São Paulo ou São Roque. As campanhas políticas. Minhas queixas do trabalho. Seu ouvido, consolo, apoio e suporte. Reclamação nenhuma.
Os filhos se mudando para estudar ou casar. Um sítio e uma casa ficando grandes demais, apenas pra dois. Minha aposentadoria e os planos para aposentadoria dela. A chegada dos netos e a vontade dela de ir para mais perto deles. O cansaço do serviço. As viagens planejadas. Os planos, as coisas para a casa, as plantas e flores que ela cultivava.
O acidente, o tsunami, a catástrofe. A irreparável perda. A súbita retirada dos meus apoios e suportes, a perda do equilíbrio que alguns médicos chamaram de labirintite causada pelo acidente. Absurdo erro médico. Qualquer ser humano teria tonturas e cairia se lhe tirassem a parte direita do corpo que o houvesse mantido em pé por trinta e cinco anos.
Trinta e cinco anos.
Bodas de dor, de falta, de amargor, bodas de solidão. Bodas de dolorida ausência. Bodas de lágrimas. Bodas de como eu gostaria que você estivesse aqui.

3 comentários:

Unknown disse...

Saudade imensa de vocês dois. Abraços e muita força.

Luciana Tuzino

Unknown disse...

Sua dor me atinge profundamente. Cada vez que falo contigo e sinto a tristeza na sua voz, ou leio o que escreve e vejo a tristeza nas suas palavras percebo a literalidade de você ter perdido parte sua. No acidente, perdi além da minha tia, parte do meu tio. Sei que é difícil, e sei que não vai passar, mas quero que saiba que sinto sua dor, e fico triste com suas lágrimas. Amo-te profundamente. E embora eu esteja longe, você não está só.

J.R.Siqueira disse...

Meu querido irmão, comecei a escrever sem saber como ou mesmo o que escrever. Acho que só pra me sentir mais perto ainda do que já estou (sempre estive) do meu maior e mais amado amigo. Chamei Ro e juntos nos emocionamos e te abraçamos, simplesmente desconsiderando qualquer lei da física e da lógica que insiste em dizer que isso é impossível. Pra provar que estão erradas estas leis, também te beijamos na face, no coração, na alma.