domingo, 10 de outubro de 2010

Seixos e raízes


Destas caminhadas por entre as Astrapéias (Dombeya Wallichii) é que me veio a idéia das gravuras.
Neste caminho coalhado de seixos colocados para minorar a lama da estradinha me vem a lembrança das caminhadas que por aqui fizeram meu pai, vindo da Viseu de Portugal, minha mãe, meus irmãos e minha mulher, que se foram.
Estas pedras claras retiradas dos rios como subprodutos da areia extraída pelos areeiros. A compreensão de que se lá, no leito dos rios, fossem deixadas transmudar-se-iam também, sabe-se lá quando, em minúsculos grãos de areia. A reminiscência de cada uma dessas pedras esbranquiçadas desde os primórdios quando ainda eram gigantescas. O rolar, o bater-se umas contra as outras, as intempéries, os ventos e a força da água as transformaram nesses pequenos seixos polidos de formas arredondadas que se podem ver agora, parcialmente enterrados na argila que já existia no caminho. Água mole em pedra dura.
As raízes das Astrapéias que aqui e ali afloram à superfície, não sei se em busca de ar, água ou calor. Centenas, milhares, delas cruzando-se e mergulhando novamente terra à dentro. As próprias Astrapéias que floridas com esses milhares de cachos de cor rósea, alimentam outras tantas abelhas e insetos de todas as espécies. Os beija-flores e os outros pássaros de todas as cores. A mágica dessas plantas. Nunca uma delas, ao menos aqui, nasceu de sementes. E não se fale em falta de polinização já que a todos os instantes, a busca do néctar e do pólem proporciona as fecundações.
Aqui o que as reproduz é a estaca de galho.
Como se a mesma planta trazida de Madagascar, há muitos anos, fosse ganhando galhos e raízes em outros lugares. Como se aqui pudéssemos falar em clones. Um pequeno pedaço da mais antiga que para cá foi trazida reproduzindo-se aos milhares na impressionante mágica da vida. Como se cada pedaço de nós mesmos pudesse reproduzir outro ser semelhante e, depois, mais outro e mais outro.
Estranhas disparidades. Como vida e morte. Como se as pessoas que por aqui passaram fossem desaparecendo tornando-se apenas minúsculos grãos de areia da memória, lembranças indo e vindo ao sabor das chuvas e dos ventos. Como se as pessoas que por aqui passaram fossem se reproduzindo fincando aqui e ali raízes e descendentes.
A vida é uma coleção inesgotável de Astrapéias e seixos.

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