sábado, 23 de outubro de 2010

Pressentimento

Não me esqueci nem do nome dela, Deise.
Eu um menino, ela uma moça linda.
Mais ainda meiga, objeto da minha cobiça de moleque.
Dos longos olhares arrastados e pegajosos dos meus olhos.
Da minha rua, a São José do Tremembé da Cantareira,
Que depois ganhou nome menos importante que o do santo.
A casa dela no meio da rua, a minha lá em cima, a última.
Os olhos dela eram caminho obrigatório para minhas idas e vindas.
Lá embaixo, quase esquina com outra, que depois ganhou nome de turco.
Eu parado esperando o caminhar mais lento de meu irmão mais novo.
A aproximação dela com a irmã casada.
Meus olhos se desenrolando na direção dos dela.
Na passagem a mão dela no meu rosto, que pensei nunca mais lavar.
“Que olhar triste você tem” disse a meiga voz.
Eu, imobilizado, como presa dominada,
Admirando-a até que, flutuando, sumiu na esquina.
Mal sabia eu que, mais que uma frase solta,
Aos meus ouvidos uma quase declaração de amor,
Era um vaticínio.
Se me visse hoje, aqui ou na mesma São José,
Por certo diria, sucinta, “Continua tendo”.
Não pode ter sido. Daqueles olhos, daquela mão,
Daquela voz não sairia uma maldição.
Certamente eram e devem ser outros os motivos.

Nenhum comentário: