sexta-feira, 29 de maio de 2009

Da saudade e da inutilidade dos "ses"

Tento lembrar-me dos momentos do acidente. Não consigo.
Com muito custo, lembrei-me da saída de casa. Da passagem pelo colégio para apanhá-la. Do meu teste ergométrico. Do retorno pela estrada. Das paradas para fotografar nuvens. Da entrada na cidade para pagar o débito do cartão. Da compra de comida para os cachorros. Da volta à rodovia e do acesso à Padre Manoel da Nóbrega.
Daí em diante, nada. Dos cerca de três quilômetros até o local da catástrofe, nada.
Depois, dor e o chacoalhar da ambulância numa estrada de piso irregular ou esburacado. A chegada ao hospital e a dor nas costelas, no braço e no ombro direitos. As minhas insistentes perguntas sobre ela e as respostas evasivas: “Os feridos são divididos entre os hospitais”.
O arrastar do tempo. A dúvida se estava realmente comigo. A vontade de pedir a alguém que ligasse para casa para avisá-la do acidente. Em seguida a certeza de que, como sempre, tinha me acompanhado ao médico. A quase certeza de que se meu lado direito tinha sido mais ferido e se ela estava, como sempre, ao meu lado, estaria ainda mais ferida. As inúmeras orações. O soro e os medicamentos. O silêncio em resposta às minhas perguntas. O escorrer lento da noite e da madrugada. O amanhecer e o retorno dos filhos e de minha irmã. Os lábios e os olhos da dor e a notícia de que havia sido atendida ainda sobre a pista e não resistira. O choro conjunto da perda.
Depois o inconformismo e a revolta.
Ela ainda estaria viva e ao meu lado se eu, dependente de sua companhia, não a tivesse levado comigo ou se não tivéssemos parado para quitar dívidas ou se tivéssemos parado pra tomar um sorvete, se eu tivesse andado mais rápido ou mais devagar.
Porque, se mais velho, os danos maiores ao veículo não ocorreram do meu lado? Porque não eu, se hipertenso e com problemas cardíacos? Porque não eu, se ela saberia muito melhor o que fazer depois? Se saberia onde estão guardadas todas as coisas e eu não sei. Se cuidaria melhor dos filhos, das noras, dos netos, das plantas, das roupas e da casa, do que eu. Se lembrava mais dos aniversários e das contas do que eu. Se era mais amável, mais tolerante e paciente que eu. Porque não eu?
Porque nossos pais e nossos irmãos, já falecidos, aceitaram sem nenhuma contestação, as súplicas e orações que lhes fiz, durante toda a noite e madrugada, para que intercedessem por mim a fim de que ela me fosse devolvida sã e salva, se já a tinham ao seu lado e eu ainda não sabia?
Depois, parentes e amigos falaram dos desígnios, do destino e do cumprimento de tarefas já realizadas. E eu que entendo pouco das coisas do mundo e dos homens e menos ainda das coisas dos céus e de Deus, só fico com a imensa saudade e com a certeza da absoluta inutilidade dos “ses” que tomaram de assalto a minha cabeça, ainda tonta, todos esses dias.

4 comentários:

Talitha disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Talitha disse...

Grande Flavio!
É a Talitha.

Guarda o que tem de bom ai no seu coração ;)

... e ganhou uma seguidora no seu blog!
Há um tempo que eu pensava em fazer o meu, então resolvi criar um também.
Amigos de blog! (pentelha até aqui né?)
http://jadiziaoprofeta.blogspot.com

Ósculos e amplexos! (essas aí aprendi com vc e com o fabio :D )

Unknown disse...

Saudade...Marcia
Eu tenho que agradecer por esses anos de trabalho juntas, pelo seu apoio nos meus momentos dificeis, eu te admirava muito, sua falta muito dolorosa para mim.
Mas Deus quis colher mas uma rosa para seu jardim.
Marcia saudades
Com carinho Neusa

Paespedro disse...

Saudades de vc minha linda, queria mto que pudesse ver dentro da minha mente agora, pra saber o qto sinto sua falta, pra saber quantas vezes pego o celular pra te ligar pq simplesmente sinto que vc ainda vai atender, quantas vezes me pego pensando que vc vai estar em casa, como sempre esteve ... Esteja onde estiver saiba que está e sempre estará viva dentro de mim, que guardo lembranças suas com todo o amor que um filho poderia ter por sua mãe. Amo vc, muito, queria ter realizado alguns dos meus sonhos de ter vc e o pai mais perto de mim, viver / morar sozinho nunca foi facil, agora então ...

Vc, pai, que se cuide e que viva muitos anos e que me permita fazer sua vida um pouco mais feliz ... eu continuo batalhando pra isso, e vai acontecer, guenta firme aí, vamos fazer isso juntos.
Beijos. Amo vc, querido.