quinta-feira, 3 de junho de 2010

Píncaros e precipícios.

Vivemos nas montanhas peruanas.
Algumas vezes subimos aos picos mais altos. Passamos por cima das nuvens brancas. Ficamos com a impressão de estarmos sobre um colchão de algodão. Um gigantesco colchão de algodão doce recém retirado dos carrinhos com rodas de bicicletas e vidros iluminados por lampiões a gás.
Achamos que poderíamos nos deitar ali e que as nuvens nos suportariam. Ficaríamos deitados de barriga para cima contemplando o azul do infinito com a paz semelhante àquela que se adquire depois de amor bem feito.
Nos sentimos em Machu Picchu e julgamos que nossos sentimentos e felicidade perdurarão como perdura a milenar cidade. E mesmo que se desgastem, sobrarão, ainda, ruínas tão belas como estas que contemplamos, o que ainda seria formidável e digno de cuidadosa manutenção.
Por vezes capotamos precipício abaixo. Assim, sem prévio aviso, sem placa e sem sinal luminoso de advertência. Vamos rolando e caindo, ferindo-nos nas pedras pontiagudas do penhasco. Do alto ao fundo pensamos como isso pode ter acontecido. E a insatisfação, a sensação de impotência e as dores nos fazem crer que não há escapatória. É chegar ao final do poço. Dar com a cara no lodo acumulado. Tentar levantar a cabeça e erguer os olhos na busca de onde estivemos antes da falta de atenção e do escorregão. Tentar buscar o calor e a luz do sol que se encontram além do distante circulo de luz da borda, acima de nossas cabeças. Tentar se por em pé para manter os olhos, os ouvidos, as narinas e a boca fora desta água estagnada e apodrecida.
Por vezes imagino sermos guiados por algum equipamento eletrônico. Se é o ar puro das montanhas que inunda nossos peitos, então é hora da rasteira, do rabo de arraia, da pernada, da casca de banana à frente dos nossos pés e lá vamos nós ladeira abaixo. Se for o podre da água e da lama das profundezas que nos encharca, então somos empurrados para cima pelas nossas lágrimas. Quase sempre, entretanto paramos alguns degraus abaixo de onde estávamos antes da queda, exatamente assim como uma bola de borracha largada do alto que a cada batida no chão sobe menos que da vez anterior até imobilizar-se numa depressão do terreno.
Na impossibilidade de permanecermos no topo ou na falta de vontade para lutarmos por ele, talvez seja o caso de, como se diz, parar por cima. A continuação pura e simples, sem um esforço em contrário, por uma lei fundamental da física, nos levará, inapelavelmente, ao fundo sombrio e triste do buraco.

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