quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

De doces e amargos ou a aparente idiotia de acreditar.

Não faça projetos (a não ser que você seja engenheiro ou arquiteto e dependa deles para viver). Não faça planos (nem sequer planos de saúde). Não acredite em juras ou promessas (você sabe que não cumpre nem as suas, porque esperar que outros cumpram as que lhe fizeram. Viva um dia de cada vez. Viva o hoje, o aqui e agora. Não acredite em fábulas.
Nem formigas e nem abelhas fazem planos de absolutamente nada, por mais que nos dêem essa impressão. Por mais que nos iludamos, não constroem abrigos, ninhos, colméias e não fazem estoques de alimentos pensando no amanhã ou no inverno que poderá vir. Fazem isso porque fazem, por costume, por genética, há milhares ou milhões de anos. Não são melhores ou piores que as cigarras, que segundo as más línguas, apenas cantam.
Se houver luz as abelhas saem para buscar água, pólen, néctar ou resinas. Se não houver, não saem. Se houver fumaça, sabem que há fogo e se preparam para abandonar a colméia. Enchem o papo com mel e, por isso, tem dificuldade para ferroar quem quer que seja. Disso se aproveitam os apicultores, há centenas de anos. Jogam um pouco de fumaça dentro das colméias e se aproveitam para saquear o mel armazenado. Elas continuam sendo enganadas e não fazem seguros contra roubos.
Quando voltam para as colméias, depois das coletas, estão mais pesadas e voam mais lentamente. Disso se aproveitam as andorinhas, os bem-te-vis e outros pássaros, para comê-las. Não fazem seguro de vida, não há velório e ninguém sente a falta que possam fazer.
Nada se sabe sobre a vida eterna e o paraíso das esforçadas e dedicadas abelhas e sobre o inferno ou purgatório das maldosas andorinhas. Nada se sabe a respeito de quem fará o mel que as abelhas degustarão quando descansarem eternamente e nem o que sentirão os bem-te-vis ardendo no fogo do resto dos tempos.
Eu, mesmo me achando um idiota (hoje talvez um pouco mais), continuo imaginando coisas para depois, julgando que amanhã possa ser melhor, acreditando nas juras e promessas (hoje talvez um pouco menos), no romance, na poesia, no afeto, no companheirismo, no amor e na felicidade. Apesar dos acidentes e do doloroso amargor das perdas e desilusões, não se pode viver esperando o pior. Não há como se preparar para os enganos e as mentiras que virão sob pena de não avançarmos, como se andássemos sempre com um pé atrás, nos arrastando.
Mesmo cansados ou com noites mal dormidas, pela manhã levantamos acreditando ou desejando que o melhor aconteça. Algumas vezes acontece mesmo. Há cinqüenta por cento de chance de dar cara ou coroa (nunca se pensa na hipótese da moeda cair em pé).
Há méis doces e os há um tanto amargos (de flores de carqueja e bracatinga, por exemplo), mas não são estes os que esperamos quando levamos a colherada do pote à boca. Por precaução podemos experimentar o que nos couber, ir devagar e não apostar todas as fichas num único lance. Ou podemos nos jogar de cabeça. Saltar do trampolim mais alto. Escancarar o peito. Gargalhar em lugar do tímido sorrir.
Podem nos tomar por imbecis. Pode ser mais perigoso, pode doer mais, o sabor pode não ser exatamente o que esperávamos, mas, enquanto for bom e durar, é muito mais intenso. A sensação e o prazer nos tiram o fôlego, nos deixam lembranças e saudades, dão sentido ao viver. E você pode rir ou, mais freqüentemente, chorar com as recordações, mas muito pior é passar em branco. Aquela sensação, aquela angustia do nada, do vazio, do oco, contra os indeléveis momentos do pleno, do auge, do gozo, da máxima, ainda que breve, satisfação.
Não se incomode. Vão apontar-lhe nas ruas dizendo que você é um sonhador idiota. Que é um sentimental apaixonado e que se deixa enganar por idéias e pessoas. Alguns vão rir das suas lágrimas e das suas dores causadas pelo desbotar ou desaparecimento de ideais ou amores. Paciência! Assim como deve ser genético nas abelhas o ato de provisionar, é intrínseco aos sonhadores o amor desmedido e o acreditar permanente.